Em busca de saúde, donas de casa passam a plantar e cultivar maconha em São Paulo. Por Victor Dias

Atualizado em 21 de outubro de 2020 às 8:56

“Eu era diagnosticada com depressão e fazia o consumo de tarja preta. Assim conta Silvânia Moraes*, ativista de 63 anos, que faz uso medicinal da maconha para poder dormir.

Para ela, o uso da planta é essencial, mesmo sem prescrição médica. Silvânia cultiva a erva em casa, como uma forma de se livrar do tráfico.

”Nós queremos nos livrar dos traficantes, por isso insistimos em plantar. Se a justiça não permite, não estou nem aí. Eu preciso dela.”, declara.

O clinico geral Iury Pedro Bento contou que conhece muitos pacientes que fazem uso da cannabis para amenizar sintomas de doenças graves — sobretudo dores.

Ele conhece pessoas que já foram presas ao serem confundidas com traficantes e afirma que, com a regulamentação do uso medicinal da maconha, esse problema acabaria.

Já a psicanalista e psiquiatra Eliane Nunes defende o cultivo seguro e que qualquer pessoa que possuir a prescrição médica deveria ser protegida e não punida.

Um dos pacientes de Eliane é Gamaliel de Araújo*, que usa o óleo canabidiol para seu tratamento do autismo.

Segundo sua mãe, Lenita Silva*, seu comportamento mudou drasticamente desde o primeiro uso.

“Ele era agressivo e agitado, a cannabis fez com que ele pudesse ter mais qualidade de vida”, diz Lenita.

Ela assume que, antes de começar a fazer uso da cannabis como medicação, era totalmente contra a droga, mas ressalta que hoje, na hora do desespero, não hesitaria em comprar o óleo em mercados ilegais, pois hoje seu uso é indispensável.

A psicanalista Eliane Nunes acha que a liberação da cannabis deveria ser um movimento de toda a sociedade.

“Sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só. Mas sonho que se sonha junto é realidade”, define, poeticamente.

Desde 2006, vigora uma lei que autoriza o uso medicinal da cannabis, mas ela não regulamentada até que a Anvisa autorizou a importação do óleo.

Só que o preço é altíssimo. Um vidrinho pode custar de R$ 100 a R$ 1.000. Por isso, juízes têm autorizado famílias a plantar cannabis em casa.

Padre Ticão

Em entrevista ao DCM, o padre Antonio Luiz Marchioni, conhecido como Ticão, contou que promove cursos para uso medicinal da cannabis.

“É muito bom para tratar crianças com deficiência”, disse.

Durante os cursos, padre Ticão distribui sementes para plantação de maconha em casa e tem procurado autoridades para pedir que não haja nenhuma complicação para seus fiéis.

“Sou favorável a que as pessoas plantem maconha em casa como nossos pais faziam em relação a hortelã, boldo e erva-doce. Precisando, colhe e faz um chá, por exemplo”, sugeriu.

 

Os cursos em sua paróquia, em Ermelino Matarazzo, Zona Leste de São Paulo, são muito concorridos, mas ele também sofre oposição de grupos católicos.

Há cerca de um ano, depois de realizar a 36a. Semana da Juventude, quando promoveu o curso, ele foi ameaçado de morte por pessoas conservadoras que se dizem católicas — na verdade, são criminosas.

Um homem vestido com farda da PM lhe enviou mensagens ameaçadoras. Um inquérito foi aberto no 62o. Distrito Policial e se descobriu que o autor das ameaças não era um policial de verdade.

Apesar disso, Ticão não recuou em suas convicções, e diz que seus cursos são cada vez mais concorridos.

“Não vou dizer que Deus é maconheiro, eu realmente não sei. Mas com certeza ele é cannabista”, disse, em entrevista à Carta Capital.

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*O nome foi trocado para evitar perseguição.