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Em defesa de Romero Britto

Britto

Pessoas bacanas de minha relação, dois atributos nem sempre em conexão, andam a criticar sem dó o pernambucano radicado em Miami Romero Britto.

Artista plástico de enorme sucesso comercial, famoso por ter transformado seus desenhos e cores numa franquia, sujeitos a decorar qualquer objeto ou presente comercializável, ele virou um signo de distinção – de distinção para os maus, os baixos, os bregas.

Ter um Romero Britto em casa é sinal do mais profundo mau gosto, algo digno de lástima e, quiçá, de ter relações cortadas.

Avistar seu cubismo estéril numa parede gera, ato contínuo, um post depreciativo e uma foto para ser compartilhada no Facebook, esse nosso Speakers’ Corner editável.

Num tempo de estranhos signos de identidade, ele é quase como a concha, a vieira dos peregrinos de Compostela com sinal trocado. “Encontrei um dos meus”.

É possível, é provável, que Britto tenha chegado nessa patamar de infâmia pela reprodutibilidade de roedor de seu trabalho, não tanto pela falta de valor estético de sua obra.

Um Paulo Coelho das artes plásticas, como já se disse.

Ninguém falaria dele, evidentemente, se não fosse tão ubíquo, tão bem-sucedido.

Pode-se argumentar que Andy Warhol, para citar outro artista que flertou, que digo, que fez do mercado parte indissociável de sua agenda estética, era “bem”. Criava, inventava, ditava, abria rumos, influía, criava relações simbióticas profícuas. Algo que Britto – agenda estética ?!? – jamais criaria, a despeito de suas relações profícuas, aqui traduzidas pelos seus  – agora vocês vão vibrar -, colecionadores famosos: Madonna, Jeb Bush, Schwarzenegger.

Como se não fôssemos, de modo geral, mais avida dollars que qualquer outra coisa.

Poucos campos se prestam tanto à subjetividade na hora de decidir o que vai para o Céu ou para o Inferno do que as artes visuais. Não quero dizer com isso que Mestre Didi e Picasso têm o mesmo valor (para alguns, Mestre Didi é melhor). Mas é cristalino que o que está em jogo ao se criticar Britto é a assunção de um comportamento de manada, que não difere, filosoficamente, do comportamento dos assassinos da “bruxa” do Guarujá.

Mas o mais paradoxal é que a própria massificação dessa crítica, hoje wit, fará dela brega. A unanimidade brega. Como, aliás, curiosamente, o próprio objeto da crítica.

Os espertos sairão dessa onda mais rápido.

Com tudo isso, é possível que Brito, um artesão, um serígrafo de origem, jamais tenha se comovido – digamos mais, que jamais tenha entendido a potência da arte contemporânea. Pergunte a ele o que acha de uma lata de merda de Manzoni, das suturas de Fontana ou das aranhas do Tunga, e ele talvez te dê uma resposta sincera.

A questão é: e daí?

Ao falar de Britto estamos falando muito mais de nós mesmos do que gostaríamos.

Usemos melhor nossa munição.

Paulo Vieira

Paulo Vieira é jornalista, com passagens pela Folha de S.Paulo, Veja São Paulo e Viagem e Turismo. É editor do site Jornalistas que Correm.

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