Em defesa de Ruffato

Atualizado em 17 de outubro de 2014 às 17:09
Clap. clap, clap
Clap. clap, clap

Para abreviar: acho que Ruffato foi muito bem na Feira de Frankfurt ao descrever a iniquidade social brasileira. Mandei-lhe, mentalmente, um clap, clap, clap, tão logo li suas palavras.

Vejo sentido em que a direita se incomode com o quadro traçado por Ruffato. Foi ela, afinal, que levou o país para as profundezas da desigualdade social.

O golpe militar de 1964, com apoio maciço das grandes empresas de mídia, foi vital para que a sociedade brasileira se dividisse entre o 1% e os 99%.

Destruição do ensino público de qualidade, arrocho salarial, proibição de greves, extinção de um direito trabalhista vital como a estabilidade – a obra da ditadura pode-se resumir numa frase: favorecer aqueles que já eram donos de imensos, descabidos, acintosos privilégios.

O Brasil se favelizou a partir de 1964 enquanto um pequeno grupo enriqueceu brutalmente. Delfim Netto, o nome forte da economia na ditadura, alegava que o bolo tinha que crescer antes de ser distribuído.

A fala de Delfim – segundo alguns, ele nega que disse o que disse – foi uma das maiores maldades cometidas contra os brasileiros desfavorecidos, os “Zés do Povo”, como afirmava o fundador do jornal Globo, Irineu Marinho, há coisa de um século.

Fique claro, portanto: a responsabilidade pela construção de uma sociedade injusta e insustentável é, inteiramente, da direita predadora nacional.

Nos últimos anos, e isso foi adequadamente registrado por Ruffato, houve avanços no combate à desigualdade. A chegada do PT ao poder – e este é provavelmente o maior mérito do partido na condução do país – colocou enfim a desigualdade no topo da agenda.

Considere a mídia. Quando ela liderou uma cruzada contra a miséria chocante de tantos brasileiros? Nunca. Era como se o problema não existisse. Ao longo do último meio século, inúmeras campanhas foram feitas por jornais e revistas – mas para aumentar ainda mais os privilégios do grupo que representam.

Quantas vezes você leu – e lê – que os direitos trabalhistas brasileiros são absurdos? Compare-os com os que existem em países desenvolvidos socialmente, e você tem vontade de chutar a parede. Nos países nórdicos, para ficar num pequeno exemplo, as mães podem tirar mais de um ano de licença maternidade, e os pais também têm extensas folgas para ajudar a cuidar dos filhos.

Mas no Brasil a mídia cultivou tenazmente a falácia de que não teríamos uma economia competitiva com nossos modestos direitos trabalhistas. Era mentira. Na verdade, o que se buscava era uma fatia cada vez maior do bolo de que falava Delfim. A fortuna de uma pequena parcela da sociedade foi se tornando simplesmente abjeta.

Repito: obra da direita, que fracassou miseravelmente na tarefa de construir uma sociedade justa.

Desfazer os estragos da direita é o maior desafio dos governantes brasileiros hoje, amanhã, depois de amanhã etc – pertençam eles a que partido pertencerem.

Se trouxe a questão da iniquidade para o centro dos debates, o PT, nestes dez anos, promoveu avanços sociais numa velocidade aquém da esperada e da desejada. Muitos privilégios foram mantidos, ou timidamente atacados – em nome da governabilidade.

Com isso, os brasileiros continuam ainda hoje a ver coisas que gostariam de não ver – comunidades como a de Pinheirinho desalojadas selvagemente, índios tratados a pontapés, Amarildos subitamente desaparecidos para jamais retornar.

As jornadas de junho deixaram clara a insatisfação da sociedade com tudo isso. A direita tentou depois roubar a razão dos protestos, e dizer que o alvo era a “corrupção” – um velho pretexto para justificar ataque a governos populares.

Mas a indignação era contra a persistência de altos níveis de desigualdade, a despeito dos avanços – aquém dos necessários, repito — promovidos por Lula, primeiro, e Dilma, agora. “Queremos mais”, gritou a sociedade.

Foi este mesmo o grito – esplêndido — de Ruffato em Frankfurt.