Em delação sem provas, Palocci afirma que Mantega vendeu informações a banqueiro. Por André Boselli

Atualizado em 17 de fevereiro de 2020 às 19:30
Antonio Palocci. Foto: Reprodução

Publicado originalmente pelo ConJur:

Por André Boselli

Em depoimento prestado à Polícia Federal no Dia de Todos os Santos do ano passado (1/11/19), o ex-ministro Antonio Palocci, na qualidade de colaborador premiado, afirmou que seu antecessor no Ministério da Fazenda — Guido Mantega — vendeu informações privilegiadas ao banqueiro André Esteves, do banco BTG Pactual.

Tendo apenas suas palavras como guarida, o ex-ministro afirmou que Alexandre Antonio Tombini, à época presidente do Banco Central, informou em agosto de 2011 à presidente Dilma Rousseff a decisão de reduzir inesperadamente a taxa básica de juros.

A narrativa consta do termo de depoimento de Palocci, ao qual a ConJur teve acesso com exclusividade.

Na dicção de Palocci, a presidente teria, então, repassado a informação a Mantega. E este, por fim, teria vendido o segredo ao banqueiro.

Com a algibeira recheada de informações valiosas, Palocci disse acreditar que o chefe do BTG teria usado diversos fundos de investimento para conseguir multiplicar recursos.

A maneira como o banco antecipou a alteração na trajetória da taxa de juros teria sido “explícita e certamente todos do mercado de valores perceberam que se tratava do uso de informação privilegiada”, afirmou o contador Palocci.

Reunião na piscininha 
Ao mesmo tempo em que tentou incriminar Mantega, o conto de Palocci citou um episódio semelhante de venda de informações privilegiadas. Mas, ao contrário da venda supostamente concluída em 2011, nesse outro episódio Palocci teria alguma participação, de modo que a tal venda não teria sido concretizada.

Contou Palocci que, em 2009, houve um meeting informal, à beira da piscina do Alvorada, entre Mantega, o então presidente Lula, o pecuarista José Carlos Bumlai e ele próprio, Palocci.

Nessa reunião, Lula teria sugerido a Palocci que convencesse o então presidente do Banco Central Henrique Meirelles a se demitir. Assumiria a vaga o professor Luiz Gonzaga Belluzo.

Surpreso com o pedido, Lula explicaria a Palocci que a razão de ser da decisão poderia ser oferecida por Mantega. Este, então, confidenciaria que estava mantendo conversas com André Esteves a fim de que pudessem “operar as decisões do Banco Central e fazer um fundo para as eleições de 2010”.

Bumlai estaria presente do encontro porque já havia feito negócios com Esteves e que, por isso, poderia ser útil na negociação.

“Operar as decisões”, no léxico palocciano, significa vender informações sigilosas a agentes do mercado financeiro. Mas, desta feita, tal operação de decisões, no conto de Palocci, não chegou a ser levada a efeito porque Lula, receoso dos riscos para a política econômica, teria desistido.

Mais história

O teor desse trecho da delação de Palocci — o prestado no Dia de Todos os Santos — levaria um incauto leitor a crer que o narrador é um santificado político inadvertidamente inserido em uma alcateia.

Em sua narrativa, Esteves e Mantega seriam amigos de longa data. Mantega seria a voz do banqueiro a se fazer ressonar nos ouvidos presidenciais de Lula e Dilma.

O chefe do BTG estaria de olho em supostos R$ 300 milhões que a Odebrecht devia às contas do Partido dos Trabalhadores. Ele queria que o montante fosse depositado em seu banco e, por isso, teria rogado a Palocci que intermediasse uma conversa entre Marcelo Odebrecht e o banqueiro. Palocci disse não saber se esse diálogo aconteceu.

Dessas contas do PT no banco — segue a narrativa de Palocci — constaria também um valor de R$ 10 milhões devido pelo próprio Esteves ao partido.

Na verdade, Palocci retificou a informação, dizendo se tratar, isso sim, de R$ 15 milhões, dos quais R$ 5 milhões já haviam sido pagos em espécie a Branislav Kontic, em várias ocasiões entre outubro e dezembro de 2010.

O valor pago em cash teria sido usado para bancar custos da campanha deste mesmo ano. Kontic foi assessor de Palocci.

Outros depoentes

Integram os autos da delação de Palocci outros depoimentos, como os de Marcelo Augusto Lustosa de Souza (investidor), Carlos Alberto Pocente (ex-motorista de Palocci) e o próprio Bumlai.

Lustosa também teria lucrado ao fazer apostas diferentes da previsão majoritária do mercado. Enquanto este estaria esperando uma alta expressiva dos juros, Souza optou por “montar posição” em cenário de aumento mais tímido, o que teria lhe rendido alguns milhões de reais.

O investidor procurou mostrar a dinâmica do mercado financeiro, o que tem o potencial de colocar em xeque a narrativa de Palocci, já que o simples fato de um agente lucrar com uma posição não implica em relação causal entre o lucro realizado e a existência de um prévio conluio.

O depoimento de Bumlai também é lapidar. O pecuarista afirmou que não participou da reunião ao redor da piscina do Alvorada e que conheceu Esteves muito tempo depois, por motivo particular.

Bumlai é amigo do ex-presidente Lula. A inserção dele na narrativa de Palocci, à primeira vista, é solta e desprovida de amparo em fatos.

Por fim, o confuso depoimento de Pocente tentou mostrar o cotidiano do motorista com seu chefe Palocci. O uso de verbos pouco assertivos é comum, o que reitera a sensação de se tratar de uma narrativa pouco sólida.

Por exemplo, afirmou Pocente “acreditar” que, em muitas vezes, levou Palocci ao Instituto Lula e que ele (o patrão) estava carregando recursos em espécie, o mesmo ocorrendo com o assessor Branislav Kontic.

Também disse que conduziu Palocci a um hotel na zona sul de São Paulo, onde seu patrão se encontrou com Lula e Bumlai — como se a informação fosse bombástica.

Além disso, o motorista afirmou não se recordar se chegou a receber André Esteves na garagem das sedes das consultorias de Palocci — isso em depoimento de 10/8/18. Contudo, no dia 30 do mesmo mês, Pocente alterou sua versão: disse recordar-se ter recebido Esteves na sede da consultoria, mas sem se lembrar do número exato de vezes em que isso ocorreu, “tendo memória de um encontro ao menos”.