Em matéria de privatização do ensino, São Paulo é Goiás amanhã. Por Mauro Donato

Atualizado em 13 de dezembro de 2015 às 9:28
Elissandro da Siqueira dialoga com a PM de Geraldo Alckmin
O estudante Elissandro da Siqueira dialoga com a PM de Geraldo Alckmin

 

Se há uma verdade inquestionável é aquela que afirma que educação é o melhor mecanismo para diminuir as desigualdades. Mas se ela obedecer a uma estrutura econômica que visa lucro, essa verdade se mantém? Ou ao aderir a um modelo de mercado as diferenças sociais não apenas permanecem como se acentuam?

O governador Marconi Perillo (PSDB) irá implantar no próximo ano um modelo de transferência de gestão das escolas públicas estaduais de Goiás para a iniciativa privada. Batizadas de OSS (Organizações Sociais), as empresas receberão recursos do estado para administrar as escolas. Da compra de materiais à contratação de professores. Metas precisarão ser cumpridas.

Até a noite de ontem, quatro escolas goianas já estavam ocupadas por estudantes contrários ao projeto.

Esse modelo já está em curso na área da Saúde com efeitos danosos. No Rio de Janeiro, o Tribunal de Contas do Município investiga desvios que ultrapassam R$ 11 milhões desde o início do ano. Há dois dias os gestores de uma OS (a Biotech) foram presos por suspeita de desvio de verbas que recebem do SUS. O patrimônio deles é do calibre de um Collor: Ferraris, cavalos, fazendas. Em São Paulo um tal Instituto Acqua atua em vários municípios, tinha entre seus diretores o Secretário de Saúde de Paulinia, é acusado de sucatear o serviço e enfrenta denúncias de irregularidades feitas pelo Ministério Público em todas as cidades.

O DCM conversou com a professora Andressa Silva que é docente da rede pública paulista e constatou a preocupação com o projeto para a área da educação.

DCM: O que significa esse plano?

Andressa Silva: Antes de mais nada é uma forma de drenar recurso público para empresas privadas. Depois é uma maneira do estado se desresponsabilizar pela incompetência de gestão. Ele assim pode culpar alguém e também pode favorecer determinadas empresas.

A gestão terceirizada prevista para Goiás é ampla, inclui contratações de professores e estipula uma divisão ‘meritocrática’ de recursos. Escolas com bons índices receberão mais e outras menos. Isso não coloca algumas escolas em risco?

Esse é o problema de tratar a educação como mercadoria. Não se pode trabalhar com a ideia de produtividade, trabalhamos com seres humanos e aprendizagem não é produto. Até porque os índices são sempre medidos em turmas diferentes. De que adianta o índice de 2015 no ano de 2016 se os alunos são outros? São as mesmas medidas porém aplicadas a outras pessoas. Para se fazer uma avaliação da aprendizagem, seria preciso avaliar sempre os mesmos alunos. O que os governos têm feito é o índice pelo índice, só. Mesmo dentro da lógica do capital, não é correto medir dessa forma.

A reorganização das escolas por ciclos proposta em São Paulo é um passo nessa direção também?

Com certeza. Existe um PEE (Plano Estadual de Educação) que foi para a consulta pública com 20 metas. Depois do debate já encerrado, foram incluídos mais alguns itens citando a municipalização do Ensino Fundamental e também a flexibilização de currículo sem esclarecer o que é isso. A Secretaria da Educação nunca respondeu clara e objetivamente. Então fica evidente que o que se quer é separar por ciclos para municipalizar, passar o Ensino Fundamental para as prefeituras (que não dão conta), o estado ficaria só com o Ensino Médio e a tal flexibilização passa a ser uma porta para contratação de empresas para mais uma vez drenar recursos públicos. Já há um decreto proibindo a contratação na rede pública, é uma forma de enxugar a máquina visando a terceirização.

A reorganização nada tem de benéfico?

A aprendizagem não pode ser medida apenas por este quesito. Ele é um, mas não o único. Por que escolas particulares que tem ensino de excelência têm no mesmo prédio alunos desde o primeiro ano fundamental ao último do ensino médio? Isso desmente o argumento do governo. Os secundaristas que estão ocupando as escolas também rejeitam isso, não apenas as transferências. Não gostaram de ser vistos como vilões que não respeitam crianças menores. E depois, isso tudo já foi feito em 1995 com o mesmo discurso de que haveria uma melhor adequação pedagógica e que hoje sabemos foi um fracasso.

O estado alega ociosidade…

Mas com essas condições, com salas superlotadas, o sistema cria um ambiente tão ruim que os alunos evadem mesmo. O jovem trabalhou o dia todo, chega cansado e não consegue atenção, não consegue tirar suas dúvidas pois o professor está com outros 59 alunos para atender, como faz? Daí você vê as tais salas ‘ociosas’ e propõe: vamos abrir uma nova turma para dar uma aliviada? A diretoria de ensino não aprova alegando a evasão sendo que evadem exatamente pela falta de turmas menores. Se o estado diz que preza a qualidade, que abra mais turmas e não feche escolas.

A escola pública é tão pior que a particular?

O ensino não é pior, as condições é que são muito piores. O aparato pedagógico, o número de alunos por sala. É diferente você trabalhar num grupo com 25 ou 30 alunos e num outro com 60. Se tenho 25 alunos posso acompanhar melhor, saber se um deles não está bem naquele dia. Então não é o ensino e sim a estrutura, até porque os professores que estão na rede estadual são muitas vezes os mesmos que estão na rede privada. É preciso se desdobrar em várias jornadas. Até nisso a alegação da má formação do professor é infundada. Existem maus profissionais em qualquer profissão.

Depois da mais longa greve da história sem obter sucesso e de saber que não haverá reajuste este ano, é possível viver com o salário de professor?

É impossível. O valor da hora/aula é R$ 12,08. Faça as contas e verá que mesmo em uma jornada completa não se ganha muito mais que R$ 2 mil. Leciono Sociologia para o ensino médio em duas escolas, preciso duplicar a jornada para poder sobreviver. Isso porque já tenho quinquênio e uma evolução funcional e mesmo assim meu salário não atinge 2.700 reais.