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Em Roraima, Lula visita o holocausto yanomami deixado por Bolsonaro. Por Leandro Fortes

Desnutrição de indígenas Yanomami virou caso de Saúde Pública – Foto: Condisi-YY/Divulgação

Todas as outras crises se tornarão pequenas quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva botar os pés, neste sábado, 21 de janeiro, na Terra Yanomami, em Roraima, no extremo norte do País. Trata-se da maior reserva indígena brasileira, uma das maiores do mundo, palco de um genocídio levado a cabo durante o governo Bolsonaro.

Segundo dados preliminares encaminhados ao Palácio do Planalto, 570 crianças com menos de cinco anos morreram no território yanomami, nos últimos quatro anos, por doenças tratáveis, como verminoses, malária e desnutrição. Estima-se que, atualmente, 6 a cada 10 crianças da região estejam passando fome, junto com os pais. Um quadro de horror, mais um oferecido pelas trevas bolsonaristas, com fotos de pessoas famélicas ao estilo dos campos de concentração nazistas.

Com Lula, irão os ministros Wellington Dias, do Desenvolvimento Social, e Sônia Guajajara, dos Povos Originários, batismo de fogo da pasta recém-criada pelo presidente. A ministra chega em Roraima com o coração aos pedaços: “Nossos parentes yanomami enfrentam uma crise humanitária e sanitária. É inadmissível ver nossos parentes morrerem de desnutrição e fome”, escreveu no Twitter.

O rastro de destruição e morte deixado por Bolsonaro em terras indígenas é aterrador, mas não chega a surpreender ninguém. A boçalidade do ex-presidente tinha como uma de suas pilastras fundamentais o discurso contra índios. Ainda em 2017, então despontando como liderança da extrema-direita, anunciou que, eleito presidente, não haveria “um centímetro de terra para indígenas e quilombolas”, no famoso discurso na Hebraica, clube da comunidade judaica do Rio de Janeiro, quando arrancou risadas da plateia medindo pretos em arrobas.

Em abril de 2018, já pré-candidato à Presidência da República, Bolsonaro iniciou uma narrativa atrelada aos interesses do latifúndio e do agronegócio, apoiadores de primeira hora, de que era preciso não só conter a expansão, mas diminuir o tamanho das reservas indígenas. “Índio já tem terra demais, vamos tratá-los como seres humanos, tem índio tenente do Exército, presidente da Bolívia [Evo Morales], não quer viver em um zoológico”, disparou para jornalistas.

A visão tacanha, copiada da cultura de extermínio e aculturação forçada levada a cabo pelos Estados Unidos, entre os séculos XIX e XX, virou um projeto de governo que incluiu, em outras frentes, a desmobilização dos órgãos fiscalizadores de meio ambiente, como o Ibama, até a ocupação da Fundação Nacional do Índio, a Funai, por delinquentes morais comandados por um delegado de Polícia Federal que não sabia diferenciar um cocar de um escorredor de macarrão. Além disso, apoiado pelo então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, estimulou criminosamente a presença de garimpeiros e madeireiros ilegais na Amazônia.

Em 2020, no auge da pandemia, Bolsonaro vetou, dentro do Plano Emergencial para Enfrentamento à Covid-19 nos Territórios Indígenas, aprovado na Câmara dos Deputados e no Senado Federal:

– Obrigatoriedade de fornecer acesso a água potável;
– Distribuição gratuita de materiais de higiene, limpeza e de desinfecção para as aldeias;
– Ações para garantir oferta emergencial de leitos hospitalares e de terapia intensiva;
– Obrigatoriedade do governo federal em fornecer ventiladores e máquinas de oxigenação sanguínea;
– Verba emergencial do governo federal para a saúde indígena;
– Instalação de internet nas aldeias e distribuição de cestas básicas; e
– Obrigatoriedade em facilitar acesso ao auxílio emergencial.

Entre 2021 e 2022, Jair Bolsonaro, preso ao cabresto do agronegócio, centrou fogo no projeto do Marco Temporal das terras indígenas, uma bandeira dos ruralistas que a extrema-direita tem tentado, sem sucesso, validar no Supremo Tribunal Federal. Pela tese proposta, colocada em prática desde o governo do golpista Michel Temer, só podem reivindicar a demarcação de terras indígenas as comunidades que as ocupavam na data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.

A possibilidade da aprovação de um novo marco temporal, ainda em avaliação pelos ministros do STF, transformou o discurso anti-indígena de Bolsonaro numa elegia à loucura. “Se um novo marco temporal for aprovado, teremos também uma nova área do tamanho da região Sul, e uma possível região do tamanho do estado de São Paulo. Acabou a economia brasileira do agronegócio! Acabou nossa garantia alimentar, acabou o Brasil!”, discursou, histérico, em junho passado, para uma plateia de ruralistas, em Brasília.

Há três denúncias contra Jair Bolsonaro, no Tribunal Penal Internacional de Haia, por genocídio do povo brasileiro, durante a pandemia da Covid-19. Uma delas, trata diretamente das ações contra povos originários, impetrada por advogados brasileiros indígenas. A ida de Lula à Terra Yanomami, além de levar a mão do Estado a quem estava sendo exterminado pelo governo, irá reforçar a consciência mundial sobre os perigos do crescimento da extrema-direita para as políticas de Direitos Humanos e de meio ambiente, em todo o planeta.

Indígena com desnutrição severa recebe atendimento de equipes do Ministério da Saúde — Foto: Divulgação/Condisi-YY
Indígena com desnutrição severa recebe atendimento de equipes do Ministério da Saúde — Foto: Divulgação/Condisi-YY
Crianças yanomamis com desnutrição — Foto: Divulgação/Condisi-YY
Crianças yanomamis com desnutrição recebem atendimento de equipes do Ministério da Saúde — Foto: Divulgação/Condisi-YY
Crianças yanomamis com desnutrição — Foto: Divulgação/Condisi-YY
Crianças yanomamis com desnutrição recebem atendimento de equipes do Ministério da Saúde — Foto: Divulgação/Condisi-YY

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Leandro Fortes

Leandro Fortes é jornalista, professor e escritor. Trabalhou para o Jornal do Brasil, O Globo, Correio Braziliense, Estadão, Revista Época e Carta Capital.

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Leandro Fortes

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