Publicado originalmente no Monitor Mercantil
POR PAULO ALONSO
O trabalho de um diplomata envolve a representação do Brasil perante outros países. Esse profissional tem como função informar, negociar e acompanhar discussões internacionais, gerenciando as relações exteriores do governo brasileiro. É uma carreira que exige dedicação total de quem trabalha nela. O diplomata, na realidade, precisa estar disponível 24 horas por dia em nome da sua profissão.
E para ingressar no Itamaraty, o candidato precisa ser formado em um curso superior e passar por um concurso rigoroso, dividido em quatro fases: a primeira, composta por questões objetivas de Português, História Mundial e do Brasil, Inglês, Geografia, Política Internacional, Direito e Economia; a segunda, questões de Língua Portuguesa, com dois exercícios de interpretação e uma redação; a terceira, provas discursivas sobre História do Brasil, Geografia, Política Internacional, Inglês, noções de Direito e Direito Internacional e Economia; e a última exames objetivos de Francês e Espanhol.
O candidato aprovado nas quatro etapas já entra no Ministério das Relações Exteriores como diplomata, como Terceiro Secretário. Após, são promovidos, na sequência, a Segundo Secretário, Primeiro Secretário, Conselheiro, Ministro de Segunda Classe e Ministro de Primeira Classe. É nesse estágio em que se assume as funções de Embaixador.
Se Senado e STF não impedirem nomeação do 03,
país assumirá papel de república bananeira
E é justamente para esse posto que o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) está sendo indicado, pelo pai-presidente Jair Bolsonaro, para a vaga que se encontra aberta, desde abril, quando o chanceler Ernesto Araújo removeu o diplomata Sérgio Amaral do posto de Embaixador do Brasil nos Estados Unidos. O diplomata Nestor Foster era considerado até então o favorito para substituí-lo.
O presidente, inclusive, já trata com confiança a indicação do filho 03 para a representação diplomática nos EUA, o mais cobiçado e de maior prestígio no Itamaraty. Recentemente, ele disse achar muito difícil que o governo norte-americano recuse a indicação do filho 03, Eduardo Bolsonaro. O presidente afirmou que o filho irá para “trabalhar” e ser uma “vitrine” para o Brasil.
“Ele vai ser vitrine. Acha que eu ia botar uma pessoa que não tivesse competência para exercer uma nobre missão, como essa? O meu filho está indo para trabalhar nos EUA, ele tem um relacionamento com vários países. Pretendo beneficiar filho meu, sim. Se eu puder dar um filé mignon ‘pro’ meu filho, eu dou, mas não tem nada a ver com o filé mignon essa história aí. É aprofundar o relacionamento com a maior potência do mundo.” Essas são as argumentações do pai-presidente para indicar o 03.
A primeira entrevista de Eduardo Bolsonaro a uma emissora norte-americana foi um verdadeiro vexame, em que ele parou de falar no meio de uma frase porque “deu branco”. E ao anunciar que aceitava a missão do pai e justificar a sua indicação para embaixador, o 03, que se elegeu deputado federal graças ao sobrenome, lembrou que falava bem inglês, fez intercâmbio nos Estados Unidos, trabalhou numa lanchonete “fritando” hambúrguer e é amigo da família Trump. Ah, ele também foi entregador de pizzas e acompanhou o pai-presidente em viagens internacionais, requisitos básicos, certamente, para um embaixador em Washington…
No seu currículo, ainda aparecem informações como carioca, 35 anos, estudou nos colégios Batista Brasileiro e Palas. Na adolescência, apreciava os dias de sol no Rio com os membros da banda carioca Forfun. Formou-se em Direito na UFRJ, em 2008, e foi aprovado em concurso público, tornando-se escrivão da Polícia Federal, pela qual atuou de 2010 a 2015. Pós-graduando na Escola Austríaca de Economia pelo Instituto Mises Brasil, ainda precisa entregar o trabalho de conclusão de curso até o fim do ano para se formar.
A carreira como parlamentar não transcorre sem problemas. Em abril de 2018, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, apresentou uma denúncia contra ele, no Supremo Tribunal Federal, por ameaças à jornalista Patrícia Lélis. Em outubro último, circulou nas redes sociais um vídeo em que o 03 é questionado sobre como reagiria se o STF indeferisse a candidatura do pai à Presidência da República. Ele disse que bastaria “um cabo e um soldado se alguém quisesse fechar o STF”. Diante da repercussão negativa, se desculpou. Atualmente, preside a Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados e vem sendo tratado como consultor informal de assuntos internacionais do Palácio do Planalto.
O 03 seguiu o pai-presidente na maioria das viagens internacionais, como na ida ao Fórum Econômico Mundial, na Suíça, em janeiro. Dois meses depois, esteve ao lado do pai-presidente à reunião com o presidente norte-americano, Donald Trump, nos Estados Unidos. No mês passado, também embarcou com Bolsonaro para a reunião do G-20, no Japão.
Todos os diplomatas têm de ser aprovados no Concurso de Admissão. O treinamento durante a carreira é intenso e contínuo, pois o diplomata tem de ser capaz, entre outros, de bem representar o Brasil perante a comunidade de nações; colher as informações necessárias à formulação de nossa política externa; participar de reuniões internacionais e, nelas, negociar em nome do Brasil; assistir as missões no exterior de setores do governo e da sociedade; proteger os interesses de seus compatriotas; e promover a cultura e os valores do povo brasileiro.
O Itamaraty tem tradição de servir ao interesse público. José Maria da Silva Paranhos Junior, o Barão do Rio Branco, patrono da diplomacia brasileira, legou ao Brasil um padrão de excelência nas relações internacionais que todos os governos vêm se esforçando em seguir. No exercício de suas funções de defender os interesses do Brasil no exterior e de contribuir para o entendimento entre os países, o diplomata tem de estreitar a coordenação também com a sociedade da qual provém.
Dentre as funções principais do Itamaraty, destacam-se colher as informações necessárias à formulação e execução da política exterior do Brasil; dar execução às diretrizes de política externa estabelecidas pelo presidente da República; representar o governo no exterior; negociar e celebrar tratados, acordos e demais atos internacionais; organizar, instruir e participar de missões especiais em conferências e reuniões internacionais; proteger cidadãos brasileiros no exterior; promover os produtos nacionais em outros mercados; e tratar da promoção cultural do Brasil no exterior.
As mudanças nas relações internacionais estão ocorrendo de maneira acelerada e intensa. A cooperação entre povos e países no século XXI demanda esforço e atenção contínuos. O Brasil, por sua história e tradições diplomáticas, tem autoridade para reivindicar papel ativo na construção de um mundo mais próspero, estável e justo.
Em Washington, por exemplo, o Brasil já mandou diplomatas de peso para atuarem no cargo de Embaixador e todos eles de carreira, naturalmente: Oswaldo Aranha, Roberto Campos, Gibson Barbosa, Azeredo da Silveira, Sérgio Corrêa da Costa, Marcílio Marques Moreira, Rubens Ricúpero, Paulo Tarso Flecha de Lima e Rubens Barbosa, dentre outros da mesma envergadura intelectual e profissional.
Pesquisa recente do Ideia Big Data, em parceria com o site BR18, mostra que 53% dos entrevistados avaliam que o presidente Jair Bolsonaro não deveria indicar o deputado federal Eduardo Bolsonaro para o cargo de embaixador do Brasil em Washington. Questionados sobre essa possibilidade, 53% discordam, 33% concordam e 13% não sabem opinar. O levantamento foi realizado por pulso telefônico no dia 17 de julho com 2.222 pessoas. Dessas, 43% disseram que a indicação é compatível com nepotismo, 38% discordam dessa avaliação e 19% não opinaram.
Quanto ao apoio que a possível nomeação tem recebido de aliados de Bolsonaro que acreditam que Eduardo, por ser filho do presidente, teria mais acesso ao Governo dos Estados Unidos e capacidade de conseguir melhores negociações para o Brasil, 50% não concordam com esse ponto de vista, 39% concordam, e 11% não souberam opinar.
Mesmo diante desse quadro e com a oposição denunciando as manobras de nepotismo do pai-presidente, os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, mesmo não concordando com a indicação, acreditam que o nome do 03 será aprovado, na sabatina à qual ele terá de submeter no Senado da República.
O fato é que se o Senado e o STF não impedirem essa insanidade, o Brasil vai assumir de vez o papel de república bananeira nas relações internacionais, aquela dos tempos de Carmem Miranda. Essa eventual nomeação será motivo de permanente piada e de galhofa na imprensa mundial, como um país que não pode ser levado a sério, como já preconizava, aliás, Charles De Gaulle.
As relações entre Brasil e Estados Unidos englobam o conjunto de relações diplomáticas, econômicas, históricas e culturais. Estão entre as mais antigas do continente americano, tendo sido os Estados Unidos o primeiro país a reconhecer a independência brasileira. Em 1824, José Silvestre Rebello apresentou suas credenciais, como encarregado de negócios, ao então presidente James Monroe. Em 1905, a delegação brasileira em Washington foi elevada à categoria de embaixada. Joaquim Nabuco foi o primeiro embaixador do Brasil nos Estados Unidos, no Governo Rodrigues Alves, cargo que ocupou até seu falecimento, em janeiro de 1910.
Atualmente, os Estados Unidos são o segundo maior parceiro comercial do Brasil. Além disso, os dois países compartilham a adesão de várias organizações internacionais, incluindo as Nações Unidas, a Organização Mundial do Comércio, a Organização dos Estados Americanos, o G8+5 e o G20. O Brasil é um dos países mais pró-Estados Unidos do mundo. De acordo com uma pesquisa de opinião global, 62% dos brasileiros viam os Estados Unidos de maneira favorável em 2010, índice que aumentou para 73%, em 2013. Em outra pesquisa realizada, no final de 2013, 61% dos estadunidenses viam favoravelmente o Brasil.
E para a mais importante Embaixada do Brasil no exterior, o presidente da República deseja nomear, justamente e por capricho, um parlamentar sem qualquer experiência nas relações internacionais simplesmente por que é seu filho, julgando que pode tudo, mesmo que se viva em um Estado Democrático de Direito, por ocupar o cargo máximo do Executivo do país.
O Itamaraty já viveu tempos melhores.