Embaixador chileno diz que ceder às pressões de Trump é “erro crasso”

Atualizado em 21 de julho de 2025 às 9:48
Jorge Heine, cientista político e ex-ministro e embaixador do Chile na China, Índia e África do Sul. Foto: Reprodução

Jorge Heine, cientista político e ex-ministro e embaixador do Chile na China, Índia e África do Sul, disse, em conversa por telefone com o Globo, que baixar a cabeça para o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, é a pior estratégia. Ele também destacou a oposição ao Brics como razão central da chantagem tarifária do governo americano ao Brasil.

Confira alguns trechos:

Como o senhor vê até agora a reação do governo brasileiro à ameaça de taxação pelos EUA de 50% a partir de agosto?

Todas as negociações com o Trump 2.0 indicaram que ceder às pressões iniciais de Washington levam a novas pressões. É um erro crasso. Foi assim com o Panamá nos últimos seis meses. Imaginar que dizer “sim, senhor” fará o contencioso desaparecer é fantasioso. Por outro lado, é importante não fazer provocações desnecessárias. A situação é complexa e deve continuar sendo tratada por Brasília de acordo. Não adianta queimar mais pontes, algo contraproducente e ingênuo. E é importante o Brasil seguir destacando, na mesa de negociações, alguns pontos.

Quais?

Primeiramente, os absurdos da chantagem de Trump, o maior deles a demanda de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo se pudesse, intervenha no Poder Judiciário. Se dissesse sim, Lula se tornaria traidor e cúmplice ao mesmo tempo. Mais complicado do que sair em defesa do aliado, (o ex-presidente Jair) Bolsonaro, Trump atirou na separação dos Poderes no Brasil. É importante Brasília frisar que seria igualmente impossível se a exigência fosse reversa. Que os dois países podem discutir temas comerciais exaustivamente, mais jamais afrontar suas respectivas Constituições.

Mas como negociar quando o outro lado exige o impossível?

Repetindo a ilogicidade da discussão, a começar pelos EUA serem superavitários com o Brasil — se posta na mesa nos termos estabelecidos pelo próprio Trump, quem deveria impor taxas era Brasília. Batendo na tecla dos números reais como prova de que o Brasil discute com seriedade e assim seguirá. A realidade, aliás, é aliada do país neste caso e deixa Brasília em posição forte — inclusive por conta da diversificação de sua economia. Não é como o México, que tem 80% de sua produção umbilicalmente ligada ao mercado norte-americano. (…)

E como avalia a tática de ficar quieto para evitar chamar a atenção de Trump?

A teoria de que, com Trump, o melhor é manter-se o mais discreto possível, foi e segue uma das mais discutidas na diplomacia e na academia. Mas não funciona, como se vê no Chile, que se manteve discreto e agora enfrenta uma tarifa de 50% sobre o cobre, do qual é o maior produtor. Mesmo assim, a direita chilena critica a reunião progressista desta segunda-feira, que lê como provocação desnecessária a Trump. A vê como um erro por chamar a atenção de Washington, enquanto deveríamos baixar a cabeça. O mesmo, aliás, que disseram quando (o presidente chileno Gabriel) Boric aceitou o convite de Lula para participar da cúpula do Brics no Rio.

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O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Foto: Reprodução

A operação da Polícia Federal, na última sexta-feira, contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, alvo de busca e apreensão, em que ele passou a ser obrigado a usar tornozeleira eletrônica, reforça a posição do governo brasileiro de enfatizar, nas negociações com os EUA, a defesa da independência dos Poderes?

Sem dúvida. A prisão domiciliar, na prática, do ex-presidente Bolsonaro, confirma a vigência da separação de Poderes no Brasil, a total independência do Judiciário brasileiro e a força das instituições do país, que não se deixam intimidar por ameaças de potências estrangeiras.