Encontro de Moro com Bretas pode explicar por que Paludo foi blindado pela Lava Jato. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 3 de setembro de 2020 às 23:11
Bretas, Moro e Valeixo em encontro uma semana depois da denúncia contra Figueiredo Basto, o rei da delação em Curitiba. Foto: Isaac Amorim/MJSP

No último dia 28 de janeiro, então ministro da Justiça, Sergio Moro procurou juiz Marcelo Bretas no Rio de Janeiro. Estava acompanhado do delegado Maurício Valeixo, que era o chefe da PF.

Moro levou até fotógrafo, que registrou o encontro. O G1, site de notícias da Globo, divulgou uma nota curta, mas com duas fotos. Em uma, os três aparecem sorridentes.

Ministro se encontrar com juiz de primeira instância é fato raro. Só não foi inédito porque, em junho de 2016, Alexandre de Moraes esteve com o próprio Moro, que era juiz em Curitiba.

Conforme se saberia mais tarde, não foi uma simples visita de cortesia a de Alexandre de Moraes a Moro, como disseram à época.

Moraes disse que sua presença representava o apoio institucional do governo à Lava Jato.

Só que quem precisava de ajuda na época era o chefe dele, Michel Temer, que ocupava interinamente o lugar de Dilma depois do impeachment, e já estava no centro de um escândalo.

Temer tinha sido citado no acordo de delação do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado.

Ex-senador, Machado tinha apresentado aquelas gravações com líderes políticos do MDB, partido dele e de Temer, inclusive com Romero Jucá, autor da célebre frase de que a queda de Dilma fazia parte de um processo para estancar a sangria e consolidar um acordo, “com Supremo, com tudo”.

Moro foi a Bretas também num momento delicado para a Lava Jato.

O que o G1 não noticiou é que uma semana antes o Ministério Público Federal tinha apresentado denúncia contra o advogado Antônio Figueiredo Basto por manter conta na Suíça não declarada no Brasil.

Na denúncia, assinada por 11 procuradores, o MPF faz referência à acusação de dois doleiros contra Figueiredo Basto e seu sócio, Luiz Gustavo Rodrigues Flores.

Os advogados receberiam propina para blindar operadores de câmbio paralelo.

Segundo Vinícius Claret Vieira Barreto, o Juca Bala, e Cláudio Fernando Barboza de Souza, conhecido como Tony ou Peter, eles e outros doleiros pagavam 50 mil dólares por mês para não serem investigados pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal, em decorrência do caso Banestado.

Juntando a contribuição de todos os criminosos, a bolada era grande.

Os procuradores da república baseados Rio de Janeiro, descobriram que, entre 2008 e 2016, os advogados remeteram clandestinamente para uma conta na Suíça US$ 3.527.172,52, o equivalente hoje a cerca de R$ 19 milhões.

Da mesma forma como faziam remessas, eles internalizavam recursos, sempre em dinheiro vivo, modalidade típica do corruptor, que precisa de cédulas para pagar agentes públicos sem deixar rastro.

Basto e Rodrigues Flores, ao serem interrogados pela primeira vez antes da denúncia, negaram a existência da conta no exterior.

A investigação avançou e, um mês depois, os dois voltaram ao Ministério Público para confessar que mentiram e entregaram os extratos da conta aberta em nome de uma offshore, a Big Pluto Universal S/A, em bancos da Suíça.

Deram uma versão pouco convincente, a de que o dinheiro se referia a honorários advocatícios, mas não revelaram o nome do cliente.

O depoimento foi no dia 8 de junho de 2018, alguns meses depois da delação de Juca Bala e Tony.

Figueiredo Basto e seu sócio negaram enfaticamente que o dinheiro fosse resultado de um esquema para abafar investigação na jurisdição à época chefiada por Sergio Moro.

“Que nunca fez operação de dólar-cabo com os valores que recebeu em espécie”, registraram os procuradores no depoimento de Figueiredo Basto.

Seu sócio deu depoimento semelhante.

Os próprios procuradores, no entanto, anotaram que as datas dos depósitos coincidiam com os dias em que os doleiros pagavam propina, segundo o depoimento de Juca Bala e Tony.

“Em meio a essa reconstituição de como foram obtidas as provas, que, embora os denunciados tenham afirmado que os valores recebidos em espécie não eram oriundos do recebimento de taxa de proteção pagos pela organização criminosa, o montante dos valores recebidos e o período de recebimento se aproximavam muito do que foi narrado pelos colaboradores Tony e Juca”, escreveram os procuradores na denúncia contra os advogados Figueiredo Basto e Rodrigues Flores.

Os representantes do Ministério Público fizeram constar na denúncia que haviam dividido a investigação em duas partes, supostamente para ganhar tempo.

Em uma, eles apurariam o crime de lavagem de dinheiro, evasão de divisas, operações ilegais contra o sistema financeiro e manutenção de contas não declaradas no exterior.

Em outro procedimento de investigação criminal (PIC), o foco da investigação seria a denúncia de corrupção de agentes públicos.

Neste PIC, além do depoimento dos doleiros, havia o registro da interceptação telemática em que Dario Messer, chamado “doleiro dos doleiros” e chefe de Juca Bala e Tony, trocando mensagem com sua namorada, se referia ao procurador Januário Paludo como “um dos meninos” a quem ele enviava propina.

A denúncia do pagamento de propina foi arquivada, apesar dos indícios veementes de haveria relação entre os doleiros e Paludo.

Na página 32 da denúncia contra Figueiredo Basto e o sócio, consta que Marco Antônio Cursita, conhecido como Masita, fez as operações em benefício deles.

Basto foi advogado Masita no acordo de colaboração feito com Moro, em 2010.

Na delação de Messer, não está claro a forma como os pagamentos supostamente eram feitos. Messer apenas aponta seus operadores, Juca, Tony e Masita, como intermediários.

Paludo, em manifestação posterior ao encerramento da investigação específica, disse que “supostos fatos (delatados pelo doleiro) foram avaliados por uma instância independente do Ministério Público, com controle do Poder Judiciário, e foram arquivados por se entender que não há mínimas provas do envolvimento do procurador em ilícitos”.

Januário Paludo

A questão não esclarecida é que Figueiredo Basto, controlando como advogado as delações de criminosos que fizeram acusações graves (e sem provas) contra alvos políticos da Lava Jato, entre eles o ex-presidente Lula, teve papel decisivo na narrativa criada pela força-tarefa coordenada por Deltan Dallagnol.

Entre os clientes de Figueiredo Basto, estão Alberto Youssef, Ricardo Pessoa, da construtora UTC, e Delcídio do Amaral.

Em novembro de 2017, Rodrigo Tacla Durán contou ao DCM, na entrevista feita em Madri quando o ex-operador da Odebrecht decidiu quebrar o silêncio, que Pessoa fez um adendo estranho a seus depoimentos como colaborador.

“Eu nunca estive com Ricardo Pessoa nem estive na UTC, mas inventaram que eu operava para a empresa”, afirmou. “Hoje tenho clareza de que eles queriam um pretexto para envolver a Odebrecht e, envolvendo a Odebrecht, abrir um pretexto para investigar Lula”, acrescentou.

Sem apresentar prova, Pessoa também acusou Fernando Haddad de receber propina em troca de contratos na Prefeitura.

Era um depoimento tão inconsistente que bastava verificar que, na administração de Haddad, a UTC perdeu contrato com a Prefeitura de São Paulo.

Paludo, que segundo os doleiros era o intermediário do esquema de proteção em Curitiba, conhecia Moro desde os primórdios do caso Banestado e tinha tanta ascendência sobre os demais procuradores da Lava Jato que era tratado metaforicamente como o pai deles.

Havia no Telegram mais de um grupo com o nome “Filhos do Januário, que reuniam os procuradores envolvidos na operação que, hoje não há mais dúvida, procurou destruir politicamente o Partido dos Trabalhadores.

Na entrevista em Madri, Tacla Durán disse que os doleiros Juca Bala e Tony trabalhavam para Messer. E disse:

“Quem sabe tudo sobre o Moro é Dario Messer. Ele morre de medo dele. Messer, embora citado no Banestado muitas vezes, nunca foi incomodado por Moro”, declarou

De volta ao encontro de Moro com Bretas. Qual era o real propósito da visita de cortesia do então ministro?

Só os três participantes da reunião incomum podem esclarecer. Porém é razoável supor que a denúncia contra Figueiredo Basto tenha estado entre os temas tratados.

Alguns dias depois, o Conjur publicou que Bretas aceitou a denúncia contra Figueiredo Basto e seu sócio. Entretanto o sistema de consulta a processos da justiça federal no Rio de Janeiro não aponta nenhum processo que tenha os advogados como réus.

Consultado pela imprensa, Figueiredo Basto disse que o caso seria arquivado, já que ele teria internado o dinheiro e recolhido os tributos e, com isso, provocado a extinção de punibilidade.

Foi de fato arquivado? Ao que parece, sim.

O crime maior de Figueiredo seria a corrupção, mas, para comprová-lo, seria necessário avançar na investigação daquele segundo PIC.

Em sua defesa, Paludo disse que o caso contra ele foi arquivado. Com certeza, não o foi por falta de caminhos de prova, mas porque, ao que tudo indica, não houve empenho para realizar a apuração.

Para pegar Paludo e, eventualmente, seus “filhos”, seria necessário aprofundar a investigação contra Figueiredo Basto.

Como o PIC específico foi mantido sob sigilo, não é possível saber o que os procuradores do Rio de Janeiro fizeram. O resultado se sabe: o arquivo.

A foto com os três sorridentes no encontro noticiado com exclusividade pelo G1 pode representar muito mais do que uma reunião de cortesia ou um encontro de amigos.