Endeusar os ‘atletas militares’ é tão sem sentido quanto massacrá-los por bater continência. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 17 de agosto de 2016 às 22:24
Sargento Diego Hypólito
Sargento Arthur Zanetti

 

Das polêmicas vazias que estão pipocando na oficina do diabo da Olimpíada, uma delas ganhou dimensões épicas: a performance de atletas das Forças Armadas.

Eles formam um terço da delegação brasileira. Até terça, 16, oito dos dez medalhistas do Brasil vinham dos quartéis. Isso tem servido de argumento para extremistas que defendem intervenção militar pregarem a superioridade ariana de seus modelos.

Pois bem. Nenhum deles é soldado de verdade. A imensa maioria nem sequer pensou em se alistar. Passaram por um edital público, ganham um salário das FA e foram beneficiados por programas federais como Bolsa Atleta (de 2005) ou Bolsa Pódio (2011).

Eles usam as instalações militares, que costumam estar em bom estado. Ao ser aceitos, viram automaticamente terceiros sargentos. Isso está marcado nas suas carterinhas de locadora de dvd.

No judô, cujo destaque é Rafaela Silva, a dominação é total: as mulheres são da Marinha e os homens do Exército. Mas não só. Em 2014, Rafaela gravou um vídeo em apoio a Dilma. “A gente tem o Bolsa Atleta e para mim e meus companheiros ela fez muita diferença para a gente buscar nossos sonhos”, disse.

Em 2008, o governo Lula também criou um programa chamado Atletas de Alto Rendimento, convênio entre o ministério dos Esportes e o da Defesa. O objetivo, segundo o site, é “organizar a participação militar brasileira em eventos esportivos de alto nível”.

Os participantes “têm à disposição todos os benefícios da carreira, como soldo, 13º salário, plano de saúde, férias, direito à assistência médica, incluindo nutricionista e fisioterapeuta”.

Há um casamento bem sucedido, aí, num panorama em geral desértico. A coisa, de qualquer jeito, está longe de ser uma unanimidade.

O técnico de Arthur Zanetti e Diego Hypólito detonou os sponsors de seus pupilos. “Eles não treinam lá, são apenas contratados por eles. Quem dá treino para os atletas sou eu, não os militares”, afirmou Marcos Goto.

“No dia em que os militares fizerem escolinha e começarem a apoiar a iniciação esportiva, aí eu tiro o chapéu. Por enquanto não. Pegar atleta pronto é muito fácil”.

Misteriosamente, no dia seguinte, Goto mudou de ideia. “De jeito nenhum foi uma crítica. Só dei minha opinião pessoal. Hoje fiquei sabendo que existem projetos que fomentam o esporte. Para mim é uma alegria saber. Tanto eu quanto a opinião pública não sabíamos disso”, falou.

Zanetti, Felipe Wu e Arthur Nory bateram continência após receberem a medalha. Imediatamente, houve uma grita. Ora. “A continência é a saudação prestada pelo militar, e pode ser individual ou da tropa”, diz a Lei Federal número 88.513/83. A bandeira nacional tem direito “ao ser hasteada ou arriada diariamente ou em cerimônia militar ou cívica”.

É um fenomenal, incrível, fabuloso gesto político? Não. É golpista? Não. Antes, é mecânico, protocolar, corporativo, evidentemente patriótico — e, para muitos desses esportistas, uma homenagem a uma instituição que os apoia. Ah, sim: com dinheiro público, coxas.

Também funciona como propaganda? Sem dúvida. Infelizmente, o cartaz de “Fora Temer” ficou na arquibancada e não subiu ao pódio nem uma única vez.