Engenheiros avisaram Petrobras que modelo de gestão era suicida, mas presidente ignorou. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 9 de março de 2020 às 21:37
Plataforma. Foto: Agência Petrobras

A Associação dos Engenheiros da Petrobras alertou há mais de um ano o presidente da empresa, Roberto Castello Branco, de que a política conduzida por ele era equivocada, e expunha a companhia a turbulências internacionais.

A turbulência veio hoje. As ações da Petrobras desabaram quase 30%. Com isso, o valor de mercado da estatal passou de R$ 306,96 bilhões para R$ 215,84 bilhões, uma perda de valor de cerca de R$ 91,12 bilhões.

Se seguisse outro modelo de negócio, mais parecido com os do governo de Lula e Dilma, a maior empresa brasileira sofreria com a decisão da Arábia Saudita de aumentar a produção e baixar o preço do petróleo, mas não na mesma proporção.

Na carta enviada a Roberto Castello Branco, a Associação dos Engenheiros entregou um estudo que demonstra a necessidade da Petrobras ter controle sobre o refino, transporte e distribuição do petróleo e de seus derivados.

“Quanto menor o grau de integração, maior a exposição de uma petroleira a choques de oferta, que derrubam o preço, destruindo a lucratividade da atividade de exploração e produção (E&P)”, diz o documento.

Isso ocorreu nos anos de 2015, 2016 e no primeiro semestre de 2017, quando o preço do petróleo se manteve em níveis “moderados” (a expressão é deles), mas a empresa compensou o prejuízo com os “lucros extraordinários do refino, transporte e comercialização”.

“A privatização de refinarias, terminais, dutos e distribuidora traz prejuízos muito mais graves à resiliência e sobrevivência da Petrobrás, na conjuntura de preços relativamente moderados de petróleo, do que presumíveis benefícios pela redução dos gastos com juros decorrentes da antecipação da redução da sua dívida”, anotam os engenheiros.

A distribuição já está privatizada, mas as refinarias ainda não. Porém elas operam abaixo de sua capacidade — cerca de 70%, segundo a associação.

Em março de 2019, quando a carta foi entregue a Castello Branco, a Petrobras apresentava perda de 20% do mercado nacional de diesel para refinarias dos Estados Unidos localizadas no Golfo do México.

Isso porque a empresa começou a praticar preços acima da paridade de importação (PPI).

Segundo a Aepex, para manter o mercado, a Petrobras poderia praticar preços abaixo da paridade de importação e, ainda assim, continuaria lucrativa. E mais: o preço do combustível para o consumidor seria menor.

A Colômbia, que não é nenhum exemplo de estado intervencionista (pelo contrário), partiu por esse caminho e se deu bem.

A estatal Ecopetrol atua de forma integrada e aumentou seus lucros em 2016, quando, pressionada por uma greve de caminhoneiros, passou a praticar preços abaixo da PPI.

O valor de referência para o mercado interno passou a ser o de exportação.

“Dessa forma, os preços praticados no mercado interno são inferiores aos praticados pelas importadoras de derivados, assegurando mercado para Ecopetrol e favorecendo os consumidores de combustíveis e a economia colombiana”, destacam os engenheiros.

A privatização de ativos da Petrobras é justificada pelo argumento de que gerará caixa para a redução da dívida. Com dívida mais baixa, a empresa economizaria no pagamento de juros e, consequentemente, teria lucros maiores, e poderia investir mais.

Pura falácia.

Em primeiro lugar, toda petroleira tem dívida, porém o que mais importa em empresas desse porte é a geração de caixa, para fazer frente às obrigações decorrentes dos financiamentos.

Com o modelo atual de desvalorização das atividades que agregam valor ao petróleo, como refino e abastecimento, bem como a perda de controle na distribuição, a empresa perde capacidade de geração de caixa e se torna presa fácil a ações externas, que independem de sua atuação.

A consequência é a que se vê: o príncipe saudita toma uma decisão, e a Petrobras perde, do dia para noite, mais de 90 bilhões de seu valor.

O lucro que ela poderia ter na distribuição e abastecimento, com o preço mais baixo da commodity, ficará, em parte, nas mãos da refinaria do Golfo do México, que compram o óleo cru, transformam em combustível e vendem no mundo todo, inclusive para o Brasil.

Sem uma política autônoma para a riqueza do petróleo, o Brasil se submete à máxima expressa por Henry Kissinger, ex-secretário de estado norte-americano:

“Quem controla o petróleo controla as nações”.

O Brasil tem petróleo, mas abriu mão de seu controle.

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Para ler a carta dos engenheiros da Petrobras, clique aqui.