Enquanto Lula dá lição de superação, falando em amor e inclusão, Bolsonaro é movido pelo ódio

Atualizado em 12 de dezembro de 2019 às 12:43

Publicado originalmente na Rede Brasil Atual

Para o psicanalista e professor da Universidade de São Paulo (USP) Christian Dunker, o discurso que tenta igualar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao presidente Jair Bolsonaro como líderes populistas extremistas ignora que ambos mobilizam afetos diferentes. Enquanto Bolsonaro naturaliza a violência, se recusa a debater com diferentes e “leva a conversa para a lama” constantemente, Lula traz o discurso da inclusão, da ampliação de direitos, valoriza o humor e o amor, e anuncia casamento.

“Essa comparação simplesmente ignora que são afetos completamente distintos. Lula nunca propagou ou fez do ódio uma forma de governo. Quando perguntado se é comunista, ele diz que é torneiro mecânico. O humor é outro sinal de saúde psíquica, pois demonstra a capacidade de brincar consigo. É o oposto daquela pessoa que acredita em si mesma e está sempre querendo o conflito e a intimidação para cima dos outros”, disse Dunker às jornalistas Marilu Cabãnas e Nahama Nunes, para o Jornal Brasil Atual, nesta quinta-feira (12).

“Lula é um líder populista sim, mas um populismo que sempre quis incluir mais pessoas. Trazendo mais pessoas para a democracia, ‘aumentando  o tamanho do condomínio’. Ao passo que esse populismo de direita malpassado quer uma democracia para poucos, para a turma da milícia ‘do próprio condomínio’. Cuba de Fidel não é o Chile de Pinochet. Vamos mudar o disco”, ressaltou. Para o psicanalista, Lula dá grande lição de superação ao anunciar que pretende se casar depois de ter saído da prisão e ter passado pela dor da perda de entes queridos.

“Independentemente da política, é um exemplo de como você passa por uma situação adversa, uma humilhação, e consegue colocar afetos transformativos, como o amor, a capacidade de engajamento, a solidariedade. No fundo, é a capacidade que as pessoas têm de renovarem os seus desejos. Depois de perdas significativas, o recomeçar. É um sintoma de boa saúde psíquica”, disse Dunker.

Segundo ele, o governo Bolsonaro pretende naturalizar a violência como forma de resolução de conflitos, colaborando para perda da sensibilidade e o crescimento da indiferença. É uma estratégia comum a governos autocráticos e fascistas, que querem as pessoas deprimidas, como forma de silenciá-las psicologicamente.

Ao atacar a jovem ambientalista sueca Greta Thunberg, a quem chamou de “pirralha”, Bolsonaro demonstra, mais uma vez, a sua incapacidade e recusa ao diálogo. O retorno efetivo de Lula à cena política vai explicitar ainda mais, segundo o psicanalista, a lacuna de capacidade argumentativa do presidente. “É simplesmente uma forma de levar a conversa para a lama. Não vamos discutir aquecimento global, a leniência do governo com as queimadas ou a prisão ilegal dos brigadistas. Vamos discutir se a Greta é uma pirralha ou não. A gente discute a pessoa, não o que ela está dizendo e representando.”

Dunker diz ainda que apessoas com quem conversou recentemente, eEm viagens a países como Noruega, Suécia, França e Portugal, foram unânimes em dizer que Bolsonaro é uma figura “vexatória”, “abaixo da crítica”.

Mania e depressão

O psicanalista também comentou que a degradação do debate público, somada ao cenário de desalento com o desemprego elevado e demais catástrofes do governo Bolsonaro nas áreas da saúde e da educação, por exemplo, tem levado uma parcela da população ao adoecimento mental. A acentuação das divergências políticas, que levam a discussões e rompimentos entre amigos, familiares ou colegas de trabalho, tende a agravar o quadro, pois “tende a individualizar o sofrimento”.

“O sofrimento maltratado, mal reconhecido, ignorado ou transformado em humilhação evolui para sintomas. Faz um quadro de depressão, de ansiedade. Um quadro fóbico, não se sai mais de casa. Entra em processos em que não se comanda mais aquilo que está acontecendo com você. É próprio de regimes autocráticos e fascistas querer justamente isso: tornar as pessoas melancólicas, para dizer para as pessoas não terem esperança nenhuma.”

Outra patologia desses tempos, segundo Dunker, é a mania. “São aquelas pessoas que estão fanaticamente aderidas a um ideal. Não importa dizer que o PIB não cresce, que existem 13 milhões de desempregados, que as promessas não se realizam. Mas a pessoa ainda acredita na promessa de um futuro glorioso. Chama-se mania. É um quadro clínico, um tipo de loucura. É uma loucura que está sendo usada para fazer as pessoas evitarem o confronto com a alteridade e com a diferença.”