Enquanto tiver verbas garantidas, Centrão não abandona o barco de Bolsonaro. Por Eduardo Maretti

Atualizado em 23 de julho de 2021 às 22:56
Bolsonaro e Ciro Nogueira: aliança da velha política pensando em 2022

Originalmente publicado em REDE BRASIL ATUAL

Por Eduardo Maretti

As reiteradas ameaças – claras ou veladas – do presidente Jair Bolsonaro e do ministro da Defesa, general Braga Netto, à democracia e as eleições provocam rumores e reações da oposição, mas, pelo menos no momento, são uma tentativa do governo de conturbar o cenário e desviar o foco da crise sanitária e da CPI da Covid. Enquanto o militar e o chefe do Executivo alimentam manchetes e provocam a necessária reação da oposição, o trem das gigantescas verbas federais destinadas a emendas parlamentares alimentam a ambição dos políticos do Centrão, que só pensam em 2022. O poder de Arthur Lira (PP-AL) não é pequeno. Ele comanda o destino de nada menos que R$ 11 bilhões a serem distribuídos, na forma de emendas parlamentares, de acordo com seus interesses políticos e do bloco informal que comanda.

A escolha do senador Ciro Nogueira (PP-PI) para ocupar o lugar do general Luiz Eduardo Ramos na Casa Civil acomoda os interesses de Bolsonaro e do Centrão. “O que esses parlamentares querem é o dinheiro das emendas, para agradar suas bases e seus cabos eleitorais, principalmente prefeitos e vereadores das cidades. Simples assim. O que Ciro Nogueira vai fazer é justamente isso, garantir o acesso aos recursos”, destaca Oswaldo Amaral, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). E o presidente da República, que chefia um governo sem projeto, tenta se garantir, evitando qualquer tentativa de impeachment.

Recuo

Por isso, Lira – a quem, como presidente da Câmara, cabe a decisão de dar andamento ou não aos pedidos de impeachment contra Bolsonaro –, costuma dar declarações evasivas e superficiais quando questionado sobre os mais de 120 pedidos que a Casa já recebeu. Em vez disso, celebrou a manobra de Bolsonaro em reação ao fechamento do cerco. “As últimas decisões do governo foram pelo reconhecimento da política e da articulação como único meio de fazer o País avançar”, escreveu Lira no Twitter nesta quinta-feira (22), sobre a reconfiguração da Casa Civil e da rendição de Bolsonaro à “velha política“. Após as manifestações de rua contra o presidente no #3J, o deputado usou um velho chavão. “Não podemos institucionalizar impeachment no Brasil”, declarou.

Emendas parlamentares são legalmente legítimas, desde que não são objeto de corrupção, propina e favorecimentos, como aconteceu no final dos anos 1980 e parte da década seguinte, no chamado escândalo dos “anões do orçamento”.

Lembrando o Capitólio

Sobre os militares, Amaral não vê uma ameaça concreta ou imediata nas falas de Braga Netto, que, para ele, objetivam tumultuar o cenário para 2022. “Até porque o Centrão precisa de eleição. Não vejo que ficaria com o governo se houvesse ameaça de ruptura institucional.” Além disso, as Forças Armadas não estão coesas em torno de Bolsonaro. “E não tem como fazer golpe com tanque na rua hoje em dia.”

Mesmo assim, os ataques ao sistema eleitoral e a tentativa de desmoralizar as eleições de 2022 por parte de Bolsonaro claramente preparam o terreno para um possível revival do que aconteceu no Capitólio no início do ano, nos Estados Unidos. Em 6 de janeiro, apoiadores do ex-presidente de extrema-direita Donald Trump invadiram o Congresso norte-americano para tentar impedir a confirmação da vitória eleitoral do democrata Joe Biden. O episódio provocou a morte de cinco pessoas. “Isso passa pela cabeça de algumas pessoas aqui no Brasil. Uma situação descontrolada que justificaria uma medida de força”, diz Amaral.

Custo-benefício

Para ele, porém, o preço que o Centrão está disposto a cobrar para manter o governo Bolsonaro de pé ainda não chegou ao limite, o que ocorreria se a ligação com o presidente ameaçasse projetos eleitorais de deputados e senadores. Isso, no momento, não acontece. Se o desemprego não ceder e a inflação continuar subindo, o custo de apoiar Bolsonaro pode começar a ficar caro demais. “Precisaria ser muito alto, por exemplo um grande escândalo de corrupção. Pode ser que os desdobramentos da CPI da Covid tragam isso. Aí as coisas podem mudar.”

Na cabeça do eleitor, o voto dado ao presidente e aos parlamentares não se misturam. Ele julga o governo federal no voto para presidente, mas vota no deputado por razões locais. Com os bilhões que Lira tem nas mãos para alimentar as bases de aliados, por enquanto a situação está confortável para o Centrão. E Bolsonaro pode seguir confiante de que o presidente da Câmara continuará sentado em cima dos pedidos de impeachment.