Entenda o que é o MTST: eles não vão invadir sua casa. Por Guilherme Boulos

Atualizado em 17 de novembro de 2020 às 11:57

PUBLICADO ORIGINALMENTE NO IREE

“Terroristas”, “vagabundos”, são “baderneiros que querem tomar o que é dos outros”. Muito cuidado: “eles vão invadir sua casa”…

O preconceito difundido contra o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) é impressionante. Pude ver isso em várias dimensões durante a campanha eleitoral do ano passado. De banqueiros que enchiam a boca pra dar lições sobre trabalho até pessoas humildes, algumas tecnicamente sem-teto, que também compraram o discurso corrente.

Há quem difame por interesse ou convicção ideológica, mas a maioria – pude perceber – por puro desconhecimento.

O que é e quem participa do MTST

Quando se tem a oportunidade de explicar que a maior parte das pessoas que participam do MTST trabalha, mas não ganha o suficiente para morar dignamente. Que fazem parte do contingente de 7,7 milhões de famílias brasileiras que tem que escolher entre pagar o aluguel ou a comida, ou ainda que sofrem humilhações morando de favor na casa dos outros. Que são pessoas comuns, que não suportaram mais a vida precária e a omissão do Estado, e por isso se mobilizaram por um direito. Bom, quando se esclarece isso, ouvidos se abrem.

Quando, na sequência, podemos explicar que o MTST não vai “invadir sua casa” porque jamais invadiu a casa de ninguém. Que, ao contrário, o Movimento conquista casas para pessoas que não têm. Que, para isso, ocupa imóveis vazios e abandonados de grandes proprietários, em geral, com dívidas milionárias com o Poder Público. Que esses imóveis ocupados estão em situação ilegal, por não cumprirem a função social exigida pela Constituição e o Estatuto das Cidades.

E que, enfim, a ação do MTST é para pressionar o Estado a cumprir essas leis e destinar as áreas para moradia social. Bom, quando se esclarece isso, a maioria já escuta com simpatia e respeito.

Infelizmente, boa parte da população não tem acesso a essas informações. E menos ainda às realizações do Movimento. Essas são as mais importantes porque, como se diz, um quilo de exemplo vale mais que uma tonelada de argumento. Vamos a eles então.

Novas casas

No último mês, o MTST entregou 910 apartamentos em Santo André, região do ABC paulista. Divididos em 2 condomínios – Novo Pinheirinho e Santo Dias – o conjunto tem área social, churrasqueira, playground e quadra esportiva. Os prédios são de 15 andares, com 2 elevadores. Cada apartamento tem 55 m², dois dormitórios e varanda.

Cada morador vai pagar uma prestação subsidiada, que varia entre 10% e 20% de sua renda. Ninguém foi excluído por estar desempregado ou ter restrição cadastral. A prestação-base de R$80 atende as famílias com renda inferior a 1 salário mínimo. Foi a realização de um sonho para muita gente, que de outro modo não teria um teto com dignidade.

O caminho que permitiu esse conjunto é o Minha Casa Minha Vida – Entidades, modalidade do programa federal em que os futuros moradores, organizados em associações, fazem a gestão do projeto e da obra. Infelizmente, o Entidades representa menos de 2% do total de moradias do MCMV, mas são justamente as maiores e de melhor qualidade.

O tamanho padrão dos apartamentos executados pela iniciativa privada, sem a participação dos movimentos, é de 39 m². São notórios os casos de qualidade precária e péssimo padrão urbanístico, sem falar na localização nos fundões das periferias. A lógica das construtoras é maximizar lucros. Se fica no encargo delas definir onde será feito o empreendimento, o tamanho das moradias e a qualidade dos materiais, é evidente que o resultado será o pior possível, ampliando a rentabilidade do investimento.

Quando o movimento social assume a responsabilidade da definição do terreno, do projeto e da supervisão da obra – mesmo que, em alguns casos, como o de Santo André, não seja por mutirão, mas por empreitada global – o resultado final é radicalmente outro. O que se reduz na margem de lucro da construtora, se ganha em qualidade e tamanho.

Resultados da luta

O caso de Santo André não é o único. São milhares de moradias conquistadas pelos movimentos sociais desde 2009, espalhadas pelo Brasil. O maior apartamento do MCMV, em sua Faixa 1, também foi resultado da gestão coletiva do MTST: o Condomínio João Cândido, em Taboão da Serra (SP), entregue em 2014. São 384 apartamentos, sendo metade com três dormitórios e 63 m². Os prédios de 8 andares também possuem elevador e área social.

Ambos foram conquistados após anos de luta, que envolveram ocupações, manifestações nas sedes do Poder Público e um processo com ampla participação popular, com assembleias mensais, reuniões técnicas com arquitetos e engenheiros e negociações com vários órgãos. Essa é a atuação do MTST. A partir da luta do movimento, mais de 15 mil pessoas já conseguiram suas casas em várias partes do Brasil.

Essa luta merece respeito: eles não vão invadir sua casa. Nunca é tarde para vencer o preconceito.

.x.x.x.

Guilherme Boulos é candidato a prefeito de São Paulo, professor, diretor do Instituto Democratize e coordenador do MTST e da Frente Povo Sem Medo.

.x.x.x.x.

Artigo publicado em 2019, mas muito atual.