Entenda por que a polícia do Rio não retirou os corpos da mata após chacina

Atualizado em 30 de outubro de 2025 às 14:23
Moradores observam corpos alinhados no chão na Vila Cruzeiro, localizada no Complexo da Penha. Foto: Divulgação

A Polícia Civil do Rio de Janeiro afirmou que não isolou a área nem retirou os corpos deixados na mata após a megaoperação nos complexos da Penha e do Alemão porque “não sabia da existência” deles. O número oficial de mortos chegou a 121, o que faz da Operação Contenção a mais letal da história do estado, e mais sangrenta até que o massacre do Carandiru, que em 1992 deixou 111 vítimas em São Paulo.

Moradores das comunidades, que resgataram 70 corpos por conta própria, agora são investigados por “fraude processual”. De acordo com o secretário de Segurança Pública, Victor Santos, os policiais não conseguiram atender “a demanda” de buscas em áreas de mata.

“Quando há confronto, muitos baleados tentam se afastar, e a gente não consegue localizar todos”, afirmou. A área da Serra da Misericórdia, onde dezenas de mortos foram encontrados, nunca chegou a ser isolada. As famílias, sem apoio oficial, organizaram o resgate por conta própria.

Carros emprestados por moradores transportaram os corpos até a praça principal da Penha, onde foram enfileirados à espera da Defesa Civil. Testemunhas relataram que os bombeiros retiraram os corpos sem a presença de policiais.

As imagens, amplamente divulgadas nas redes sociais, mostraram crianças e adolescentes ajudando a carregar vítimas, o que acendeu alertas entre especialistas em segurança pública.

O coronel José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional de Segurança Pública, classificou o episódio como “um enorme problema embaraçoso” para o governo do Rio. Segundo ele, é “impossível que a polícia não soubesse da existência dos corpos”, e a atitude de moradores demonstra o “descuido consciente” das forças estaduais.

Imagem de drone mostra corpos levados a praça no Complexo da Penha, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Foto: Divulgação

Para o coronel, a operação escancarou o “desprezo pela lei e a falta de comando das tropas no terreno”. A fundadora do Instituto Fogo Cruzado, Cecília Oliveira, disse que o fato de crianças participarem do resgate revela o “colapso do Estado”.

Em suas palavras, “é a imagem perfeita da exceção transformada em rotina, num país que naturalizou que seus filhos cresçam convivendo com massacres e pilhas de corpos”. Já Natalia Pollachi, do Instituto Sou da Paz, afirmou que a gravação das imagens é “um ato de sobrevivência” usado pelas comunidades para provar o que aconteceu.

A Polícia Civil abriu um inquérito para investigar os moradores que retiraram os corpos, sob acusação de fraude processual. O secretário Felipe Curi afirmou que “muitos dos mortos estavam com roupas camufladas e coletes”, mas teriam aparecido “de cueca ou short”.

Ele insinuou que moradores retiraram trajes e equipamentos antes da chegada da perícia. Pablo Nunes, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, classificou a ação como “a mais irresponsável da história do Rio”, sem justificativa operacional.

Já Renato Sérgio de Lima, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, afirmou que o número de mortos “supera qualquer precedente” e representa uma tragédia sem comparação.

Mesmo diante das críticas, o governador Cláudio Castro defendeu a operação e disse não acreditar que “alguém estivesse passeando na mata em dia de confronto”. Para ele, todos os mortos eram criminosos. “Se houve erro, foi irrisório”, declarou, sustentando que a operação foi planejada para não afetar a população.

Guilherme Arandas
Guilherme Arandas, 27 anos, atua como redator no DCM desde 2023. É bacharel em Jornalismo e está cursando pós-graduação em Jornalismo Contemporâneo e Digital. Grande entusiasta de cultura pop, tem uma gata chamada Lilly e frequentemente está estressado pelo Corinthians.