Entenda por que o coronavírus pode salvar Bolsonaro da denúncia por crime de responsabilidade. Por Paulo Henrique Arantes

Atualizado em 26 de fevereiro de 2020 às 15:19
Pedro Serrano

Há uma maneira eficaz de o presidente Jair Bolsonaro escapar da possibilidade de ser denunciado por crime de responsabilidade, conforme a Lei do Impeachment (Lei 1.079 / 50), por convocar o povo, ou parcela dele, a participar de ato contra uma instituição da república, neste caso o Congresso Nacional. Sua única saída é “desconvocar” o movimento marcado para 15 de março. Assim entende o advogado criminal Roberto Tardelli, procurador de Justiça aposentado em São Paulo.

Ao DCM, Tardelli até aponta uma justificativa oportuna para Bolsonaro retroceder da perigosa concitação via rede social: a necessidade de se evitarem aglomerações por causa da chegada do coronavírus ao Brasil, após a confirmação do primeiro caso de paciente contaminado no país. “Será uma boa desculpa”, diz o advogado.

A ser observada a letra da lei, de nada adiantará Bolsonaro desestimular seus ministros de propagarem o ato contra a democracia, como fez intramuros nesta quarta-feira (26). Sem uma desmobilização pedida publicamente, o ataque à ordem democrática estará lavrado.

Segundo Roberto Tardelli, Jair Bolsonaro consagra-se como um contumaz cometedor de crimes de responsabilidade. “Há várias modalidades de crime de responsabilidade, mas a pena é sempre a mesma: a perda do cargo. Isso vale tanto para modalidade tentada quanto para a modalidade consumada”, explica.

“O presidente comete crime de responsabilidade quando convoca um ato que tem nítida natureza de tentar impedir o funcionamento do Congresso Nacional. Também o comete quanto sataniza parte do Supremo Tribunal federal como responsável pelas desditas do país. Tentar mudar a Constituição de forma violenta também é crime de responsabilidade. Pode-se escolher o tipo de crime de responsabilidade cometido pelo presidente”, observa Tardelli.

De modo sumário, o jurista Lênio Streck fez coro a Tardelli em conversa com o DCM: “Em sendo verdadeira a manifestação do presidente a favor dos atos de 15 de março contra o Parlamento (e é), pode haver enquadramento na Lei do Impeachment”.

O artigo 85 da Constituição Federal afirma, entre outros itens, ser crime de responsabilidade do presidente da República atentar contra “o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação”.

Para o jurista Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional da PUC de São Paulo, a convocação presidencial para o ato antiparlamento de 15 de março é “gravíssima e incorre, sim, no crime de responsabilidade previsto no artigo 85 da Constituição”.

“Há uma ameaça concreta à democracia por parte do presidente”, sentenciou Serrano ao DCM.

O jurista diz ter notado pessoas ligadas ao movimento bolsonarista alegando que “não é bem assim”, em canhestra tentativa de amenizar a gravidade da atitude presidencial. Para Serrano, pouco importa: “Mesmo que esteja havendo um certo exagero dos não-bolsonaristas, é bom lembrar que é sempre preferível o exagero na defesa da democracia antes que se se consolide o autoritarismo”.

“É preferível exagerar a vacilar na defesa da democracia”, assinala Pedro Serrano.

Chamando atenção para a fala desta quarta-feira (26) do ministro decano do STF, Celso de Mello, que repudiou o comportamento de Bolsonaro, o advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay, cobrou um posicionamento claro do Ministério da Justiça sobre o ocorrido:

“O silêncio do ministro da Justiça neste momento tão grave beira à cumplicidade. O Ministério da Justiça, historicamente, tem o dever de zelar pela defesa dos princípios democráticos. O ensurdecedor silêncio do ministro Sérgio Moro é um atentado do Estado Democrático de Direito”.

Se não fala, Moro confirma que, no governo Bolsonaro, se tornou “capanga da milícia”