“Entramos juntas no banheiro e nos beijamos como se houvéssemos ensaiado”: um novo capítulo da saga de ANÔNIMA

Atualizado em 15 de novembro de 2015 às 9:37

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Na cena final do último capítulo, recebi uma visita não tão inesperada de um semi-desconhecido – mas, agora, mais conhecido do que nunca. Percebi, tarde demais, que minha diversão tivera plateia: o nosso vizinho nos observava atento através da janela.

Vivi alguns dias sem sexo para o mundo exterior: dentro de mim, ele é personagem principal. Como uma música barulhenta que continua ecoando mesmo depois que me visto. Um pensamento recorrente até nas horas mais inoportunas.

Era sexta-feira – e poderia ser um dia como outro qualquer, mas definitivamente não foi. O quase desconhecido do último conto me fez um convite no mínimo inusitado: uma festa às escuras, em todos os sentidos. Os artistas que se apresentariam não foram divulgados, o estilo de música era uma incógnita e fotos estavam terminantemente proibidas. A ideia era viver uma noite que, quando finda, passaria como se não houvesse existido. Onde a liberdade pudesse ser cultuada sem pré-julgamentos, sem roteiro e sem flashs.

Quando chegamos, passava das duas da manhã. A faixada não denunciava sequer ligeiramente o que acontecia ali dentro: um casarão que parecia abandonado, nenhum segurança, nenhum enfeite, nenhum cartaz.

– É aqui mesmo?

– É! – ele disse, convicto e meio maroto.

Fomos recebidos por uma drag queen. Ela usava uma fantasia que eu não consegui decifrar e balançava freneticamente um vibrador imenso, enquanto repetia: “eu acabei de tomar banho!”

Não compreendi o sentido da frase, mas compreendi, no ato, a atmosfera de insanidade do lugar. Era uma casa imensa, cheia de corredores e escadas, com uma varandinha charmosa de onde se podia ver o céu estrelado, o mar tranquilo e algumas pessoas enebreadas pela bebida e pela inevitável sensualidade que exalava no ambiente.

Algumas pessoas se divertiam dançando penduradas em tecidos ou barras de pole dance. Numa mesa recuada, avistamos uma mulher – uma linda mulher – sentada, rodeada por velas e incensos, de mãos dadas com um homem barbudo à sua frente no que me pareceu um ritual.

A impressão era que ali se podia encontrar pessoas de todos os tipos: homens bem-vestidos, pessoas fantasiadas, héteros, gays, transgêneros. E nós.

Avistei de longe talvez a única pessoa que eu não imaginaria, nem nos meus devaneios mais loucos, que frequentasse um lugar como aquele: um colega de trabalho seríssimo, do tipo engravatado, religioso e defensor da moral e dos bons costumes. Demorei para me convencer do que os meus olhos me mostravam: Ele usava uma calça branca folgada e estava nu da cintura para cima, com pinturas étnicas no corpo. A barba por fazer e, no rosto, uma expressão de completa insanidade.

Não pude sequer me recuperar da surpresa antes de vê-lo beijando um homem alto e cabeludo. O que teria dito à sua esposa? O que diria na igreja? – eram coisas sérias demais para me perguntar naquele momento.

Desviei os olhos, sorrindo, surpresa e atônita, até avistar uma amiga. Usava um vestido soltinho com uma estampa que a luz baixa não me permitiu decifar e um batom tão vermelho quanto eu jamais a vira usar, contrastando com a pele branquíssima e os cabelos castanhos. Estava linda. Sorriu de longe antes que eu fosse até ela.

Conversamos por alguns minutos até sermos silenciadas pela música alta. Enquanto dançávamos, me dei conta do quanto ela estava sexy naquele dia. Os seios grandes moviam-se charmosamente, livres sob o tecido, e o sorriso fácil era um espetáculo a parte.

Meu acompanhante reparava silenciosamente nos meus olhares.

– Ela é uma gata, mesmo. É hétero? – esbocei um sorriso irônico como resposta.

Não, não é: é lésbica a um nível quase falofóbico. As fantasias dele não se concretizariam naquela noite, pensei. Mas as minhas sim. E algumas tequilas foram suficientes para que eu a convidasse para retocar a maquiagem – um convite talvez comum e inofensivo para a maioria, mas não para nós duas.

Saímos à francesa e eu pude avistar o olhar sugestivo dele: por alguma razão que desconheço, ele sabia das minhas intenções.

Entramos juntas no banheiro de um modo estranhamente natural para ambas e nos beijamos como se houvéssemos ensaiado. Senti seus mamilos arrepiados sob o tecido fino e suas mãos delicadas e ousadas percorrendo minha cintura. Tínhamos uma sintonia que eu não conseguira com nenhum homem. Nos olhamos por alguns segundos, com os narizes quase colados, enquanto sorríamos quase ternamente e nos acariciávamos, livres. Seus olhos castanhos sorriam junto.

Ela percorria meu pescoço e meus seios, até tocá-los sob a blusa. A visão era linda de cima: seus lábios vermelhos se abrindo e encontrando meu mamilo rosado, sua língua percorrendo-o, devagar, os olhos fechados sob as lentes e uma expressão indescritível de prazer. Era quase uma poesia.

Talvez pela bela cena, talvez pelas doses de tequila, decidi fazer pela primeira fez aquilo que eu só fizera nos meus sonhos: Levantei seu vestido até ver a calcinha confortável de algodão. Senti-a molhada e me deliciei novamente na expressão do seu rosto. Ela tinha um gosto bom, quase familiar, e mexia os quadris com uma incrível naturalidade. Tentei manter o ritmo com a língua, para, a despeito da minha inexperiência, ver novamente o prazer em seu rosto. Ela segurava devagar o meu cabelo enquanto apertava os lábios até atingir um orgasmo tão sutil quanto ela mesma consegue ser: era um prazer cru.

Saímos do banheiro, sorrindo e com a maquiagem por retocar. Ninguém se importava. O semi-desconhecido me esperava a alguns poucos metros de distância.

– Demorou, hein? – disse, sorrindo sarcasticamente. Sorri de volta e dançamos a três. A festa estava quase terminando. A noite, ao contrário, certamente continuaria mesmo depois do nascer do sol.

[continua]