Publicado na Ponte
POR ARTHUR STABILE
Jefferson André da Silva, 23 anos, é entregador a serviço de aplicativos. Protestava por melhores condições de trabalho na Avenida Rebouças, na zona oeste da cidade de São Paulo, no começo da tarde de terça-feira (14/7). Ao ser abordado pela PM, relata ter sido agredido, sufocado e torturado quando estava rendido.
O motoboy detalhou à Ponte os momentos que afirma ter vivido antes e depois dos vídeos registrados por outros motoqueiros que viralizaram ontem nas redes sociais. Na cena, a policial Larissa Leal da Silva dá um golpe em seu pescoço ele diz “eu não consigo respirar”. Além dela, participou da ação o PM Celso Reis Cre Junior.
Segundo Jefferson, ele estava parado com sua moto na calçada, participando do protesto, quando foi abordado. Os PMs alegam que o homem havia colocado um adesivo na moto da placa, impossibilitando a identificação do veículo e, por isso, o abordaram.
“O policial chegou e mandou eu abaixar o celular, estava mandando vídeos do ato. Eu disse que faria, só terminar de mandar e ele já veio querendo tomar o aparelho”, conta.
Daí por diante aconteceram as cenas registradas. Inicialmente um entregador de bicicleta tentou intervir para os policiais pararem com as agressões, conta, mas sem sucesso.
“Eu estava com um adesivo na moto porque policiais estavam anotando e não sabíamos se era multa. Estávamos em um protesto legítimo, não poderiam multar. É meu ganha pão”, conta.
Depois de rendido, o entregador conta que foi colocado na viatura e levado ao 14º DP (Pinheiros). Em frente à delegacia, revela ter sido agredido e torturado dentro da viatura da PM.
“A PM me ameaçou, queria tirar uma foto minha pra mostrar como bandido, troféu dela. Eu não deixei. Ela pegou spray de pimenta e jogou na minha cara. Estava rendido, sem ar na viatura, e a policial jogou spray de pimenta em mim”, relata.
Além do uso do spray enquanto estava algemado na viatura, o profissional relata ter levado choques na nuca. Eles teriam sido dados pela mesma policial que o sufocou. “Ela jogou spray, fechou a porta. Retornou com a lanterna de choque, eu permaneci de costas para não tirar foto minha, e ficou dando choque por um bom tempo”, relembra.
“E ficou falando que ia acabar com minha vida, que ia apresentar uma faca como se fosse minha. Nesse momento, que você não sabe qual vai ser o seu destino, que está literalmente na mão dela, é a pior parte de tudo. É a pessoa que escolhe se acaba com a sua vida ou não”.
Para a Polícia Civil, que registrou a ocorrência, Jefferson cometeu o crime de resistência. Não há explicação sobre qual crime ele teria cometido anteriormente, o que motivaria a abordagem dos PMs. Jefferson aparece como autor (quem comete um crime) no registro oficial, enquanto a PM Larissa Leal da Silva, que o sufocou, é qualificada como “vítima”.
Segundo a advogada Debora Roque, integrante da Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio, é preciso que o estado de SP reconheça a falta de preparo dos policiais quando ações como essas são filmadas. “Não podemos naturalizar esse tipo de tratamento. Infelizmente, no Brasil, a violência parece estar enraizada na cultura”, lamenta, citando que os abusos praticados por PMs devem ser punidos.
A profissional estranha o fato de haver apenas resistência entre os crimes imputados ao entregador. “É difícil ver [essa lei] sozinha, porque não é normal alguém ameaçar e não cometer injúria, por exemplo. Por isso resistência e desacato estão quase sempre juntos”, afirma. “A resistência é um pouco mais grave do que o desacato na aplicação da pena, pois existe uma conduta violenta ou ameaça ao funcionário”.
Debora defende que as pessoas usem os celulares como defesa de violações como esta vivida por Jefferson. “Nossas armas são as filmagens que estão se tornando muito comum, ajudam a divulgar e denunciar esses abusos essa falta de preparo técnico na atuação”, afirma.
Jefferson trabalha há seis anos como motoboy. Com o crescimento dos aplicativos de entrega, conta ter tido maiores dificuldades e queda na renda. “Antes eu tirada R$ 3,5 mil. Agora, tem que fazer R$ 3 mil para sobrar R$ 2 mil. Vai uns R$ 900 só de gastos com reparo da moto e gasolina”, explica.
À Ponte, explica ter rotina de 16 horas diárias trabalhando, começando às 8h e parando 0h. Apenas na manhã de domingo não trabalha, fazendo entregas no período da tarde e noite. São seis dias ininterruptos na semana.
Nesta quarta-feira, ele correu para tirar a moto do pátio do Detran . Ela foi apreendida porque ele estava com a carteira nacional de habilitação vencida. Levou três multas na abordagem. Relata ter encontrado o veículo danificado no pátio.
“Tenho vídeo do exato estado que saiu da delegacia, em perfeito estado. E encontrei ela com o banco estourado, chicote cortado, colocaram açúcar no motor. Vou ter que mandar abrir o motor. Mas está bom, né? Tudo certo”, detalhou à Ponte.
Jefferson usou um veículo mais velho, de 2004, quando foi ao Sindicato dos Motoboys de São Paulo e Região, que o auxilia na regularização da moto mais nova. “Não posso parar. Somos em oito em casa e eu dependo do meu sustento, não tem quem corra por mim”, define.
A Ponte questionou a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, comandada pelo general João Camilo Pires de Campos neste governo João Doria (PSDB), sobre a abordagem ao entregador e a denúncia de tortura. Segundo a pasta, o delegado do 14º DP “solicitou exames de corpo de delito aos policiais e ao rapaz, e encaminhou o caso ao Juizado Especial Criminal (Jecrim)”. Sobre a ação, diz que “foi registrado um termo circunstanciado de resistência no e a motocicleta foi apreendida administrativamente”.
As mesmas perguntas foram feitas à PM. Segundo a corporação, o homem fez uma denúncia e, com isso, a Corregedoria “apura se houve excesso na abordagem, realizada na tarde de terça-feira (14/7), na zona oeste da capital”. A Ponte solicitou entrevista com os dois PMs, Larissa Leal da Silva e Celso Reis Cre Junior. Em resposta, a corporação disse que “mantemos a resposta encaminhada por nota. Não será concedida entrevista”.