Entrevista de Moro mostra que ele não se arrepende de divulgar grampo de Dilma. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 30 de julho de 2017 às 10:05
Dois homens de Estado.

E o juiz Sérgio Moro falou…

Foi em entrevista à Folha de S. Paulo e a um grupo de jornalistas latino-americanos que formam um consórcio que se chama Investiga Lava Jato.

Mas o que ele disse de interessante?

Nada.

Na forma, Moro é de uma obviedade que dá sono.

Suas respostas parecem a verbalização de despachos de processo.

No conteúdo, procurando algo no que as palavras escondem, dá para ver um Moro como ele é.

Ele não se arrepende de ter vazado o conteúdo das conversas entre o ex-presidente Lula e a então presidente, Dilma, no auge da crise política, em 2016.

Foi uma ilegalidade flagrante e não acrescentou nada aos processos sob sua jurisdição.

Ou tem algo daquelas escutas citadas direta ou indiretamente nas sentenças já conhecidas de Moro?

Ao vazar as escutas, ilegais, pois ele não poderia divulgar conteúdo de conversa da presidente da República, Moro jogou gasolina na fogueira e interferiu no jogo político.

Foi um barulho quase ensurdecedor de panelas batendo, quando William Bonner e Renata Vasconcelos faziam o seu jogral, no JN da Globo, cada um lendo uma frase grampeada.

Com esse vazamento, Moro criou condições para que Lula não fosse nomeado ministro-chefe da Casa Civil de Dilma.

Com Lula ministro, o processo ficaria no STF.

E a história poderia ter outro curso.

Moro agiu ali para emparedar o Supremo, como fez outras vezes, e conservar Lula como presa da sua caçada particular.

Manipular processos, com o uso de vazamentos “peneirados” para a imprensa, é uma estratégia que Moro descreveu em um artigo que escreveu em 2004, para uma publicação acadêmica.

Para alcançar seus fins, o juiz deve, segundo ele, escolher o que vazar e manter acesa a chama do interesse do público.

É o que ele diz, com outras palavras.

A estratégia de Moro manteve alvos da Lava Jato sob seu controle. E o país pagou um preço elevado por isso.

Um golpe de Estado, disfarçado de ação legítima de um Congresso corrupto, que colocou no poder o partido que havia perdido as eleições – o PSDB.

 

Moro tem responsabilidade sobre isso, mas não foi ainda cobrado, nem nessa entrevista.

E ele pode hoje, tranquilamente, posar de republicano ou estadista, dar conselhos para a classe política e a se confraternizar com o presidente do partido que ajudou a recolocar no poder, Aécio Neves.

Duas perguntas da entrevista do consórcio Investiga Lava Jato:

O que pode representar uma ameaça à Lava Jato?

Lamentavelmente, eu vejo uma ausência de um discurso mais vigoroso por parte das autoridades políticas brasileiras em relação ao problema da corrupção.
Fica a impressão de que essa é uma tarefa única e exclusivamente de policiais, procuradores e juízes. No Brasil, estamos mais preocupados em não retroceder, em evitar medidas legislativas que obstruam as apurações das responsabilidades, do que propriamente em proposições legislativas que diminuam a oportunidade de corrupção. Vejo no mundo político uma grande inércia.

Folha – Sobre as escutas que envolveram os ex-presidentes Lula e Dilma, o sr. escreveu que o conteúdo revelava tentativas de obstruir investigações. É possível entender que a medida de tornar público esse conteúdo tinha como objetivo proteger a Lava Jato?

A escolha adotada desde o início desse processo era tornar tudo público, desde que isso não fosse prejudicial às investigações. O que aconteceu nesse caso [dos grampos de Dilma e Lula] não foi nada diferente dos demais. As pessoas tinham direito de saber a respeito do conteúdo daqueles diálogos. E por isso que foi tomada a decisão do levantamento do sigilo.
Um efeito indireto ao dar publicidade para esses casos foi proteger as investigações contra interferências indevidas. Afinal de contas, são processos que envolvem pessoas poderosas, política e economicamente. Na prática, pode haver tentativas. Então, tornar tudo público também acaba funcionando como uma espécie de proteção contra qualquer obstrução à Justiça. E isso é muito importante.
Foi seguida a Constituição. Dentro de uma democracia liberal como a nossa, é obrigatório que essas coisas sejam trazidas à luz do dia.

.x.x.x.

PS: O Moro que defende que as “pessoas deveriam saber a respeito do conteúdo daqueles diálogos” é o mesmo que cobrou advogados que, legitimamente, gravavam as audiências em Curitiba — a lei permite ao advogado gravar audiências sem prévia autorização do juiz.

Um desses diálogos gravados mostram Moro irônico, se dirigindo ao advogado de Lula, Cristiano Zanin:

— Você vai entrar com indenização contra ela (a testemunha,  zelador do condomínio no Guarujá, que foi candidato a vereador em Santos com o slogan o zelador do prédio do Lula), doutor? — pergunta Moro.

Responde Zanin:

— Não sei, o senhor está advogando alguma coisa para ela?

Moro continua, em tom sarcástico:

— Não sei, a defesa entra contra todo mundo, com queixa-crime, indenização.

Zanin comenta:

— Eu acho que ninguém está acima da lei (…)

Moro finaliza:

— Tá bom, doutor. Uma linha de advocacia muito boa.

Na audiência seguinte, depois que a gravação foi tornada pública, Moro chamou a atenção dos advogados, para “condutas inapropriadas”.

Um dos advogados não gostou e disse que, se o juiz achava a conduta da defesa inapropriada, deveria fazer o registro em ata e comunicar à OAB.

Moro deixou a sala, sem responder nada.

O juiz da 13a. Vara Federal de Curitiba parece que não gosta de ser confrontado.

Na entrevista ao consórcio Investiga Lava Jato, talvez para alívio dele, não houve confronto.