Entrevista: Jean Wyllys fala sobre o ‘crime’ que é ser gay no Brasil. Por Nathalí Macedo

Atualizado em 16 de dezembro de 2016 às 14:40
Vida dura
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Aparentemente, é crime ser honesto – ou seria crime, na verdade, ser gay? – no Brasil.

Tanto que Ricardo Izar, relator do processo contra Jean Wyllys pela (bela!) cuspidela no também Deputado Jair Bolsonaro, emitiu parecer pedindo a suspensão de seu mandato por 120 dias por suposta quebra de decoro parlamentar.

O episódio em questão ocorreu durante a votação do Impeachment, quando o Deputado Jean Wyllys, reagindo a insultos homofóbicos, cuspiu no Deputado Jair Bolsonaro – a internet certamente não esqueceu e não esquecerá.

O vídeo que embasa o pedido de afastamento – eivado de diversas irregularidades – é comprovadamente fraudulento. Jean não cuspiu em Jair Bolsonaro premeditada e gratuitamente, como supõe o vídeo – e ainda que o tivesse feito, convenhamos, teria sido merecido. O cuspe
representou, na verdade, uma justa reação à homofobia praticada contra o único deputado assumidamente gay do Congresso Nacional.

Jean Wyllys é escritor, jornalista e talentosíssimo. Poderia ganhar a vida como bem entendesse, mas escolheu a carreira política com um propósito que sua trajetória, frequentemente, comprova: Defender as minorias. Para defender as minorias – e seus ideais – tem suportado, em plenária, xingamentos como “cu ambulante”, “deputado que ama o aparelho excretor” e “queima rosca” – o que é, afinal, um cuspe, em resposta a tantos insultos proferidos há tanto tempo?

A suspensão do mandato de Jean – e isso nós, minorias, sabemos bem – não foi pedida por conta da suposta quebra de decoro parlamentar. Foi pedida porque gente como Jair Bolsonaro e Ricardo Izar não suporta as minorias no poder. Porque gente como eles quer a todos nós – mulheres, negros, trans, LGBTs – silenciados ou mortos.

Essa entrevista com o Deputado – e os fatos – darão conta de dirimir os equívocos em torno deste episódio. Jean nos falou sobre os bastidores de tal injustiça – apenas mais uma decorrente da criminalização da esquerda no Brasil, e, principalmente, da naturalização da LGBTfobia, inclusive nas Instituições brasileiras.

1. Você cuspiu no deputado Jair Bolsonaro após ser alvo de insultos homofóbicos por parte dele. Por que, na sua opinião, ele não foi punido por tais insultos?

Porque há uma enorme hipocrisia e falsidade no Congresso. O parecer do deputado Izar, que pede a suspensão do meu mandato, não tem nada a ver com o cuspe. No meu depoimento, nos depoimentos de várias testemunhas, inclusive deputados que são meus adversários políticos, na perícia da Polícia Civil que provou a fraude do vídeo forjado contra mim e nas evidências apresentadas pela defesa ficou claro que eu não cometi quebra de decoro. Eu reagi aos insultos e à violência sistemática desse senhor.

Izar entendeu isso perfeitamente, mas ele faz um jogo político, porque responde aos interesses de seu partido, campeão de acusados na Lava-Jato, e dos seus aliados, notoriamente Eduardo Cunha, que é quem está por trás desse processo contra mim. Eles não querem me punir pelo cuspe, mas por ser homossexual, por defender os direitos humanos e por ter me posicionado contra o golpe. Esse processo é uma retaliação e uma manifestação de ódio.

Bolsonaro é um deles, então jamais será punido, mesmo que cuspa cinquenta vezes. De fato, o filho de Bolsonaro cuspiu contra mim, está filmado cuspindo e o Conselho de Ética nada fez. É muita hipocrisia! O único parlamentar que foi suspenso na história do Brasil estava envolvido num esquema de corrupção com Carlinhos Cachoeira, e deram 90 dias. Ser gay é um crime pior que ser corrupto, por isso pedem 120 pra mim…

2. O que, na prática, significará a suspensão de seu mandato, acaso se efetive?

Em primeiro lugar, é bom esclarecer que meu mandato não foi suspenso ainda. O parecer do relator Ricardo Izar, no Conselho de ética, pede, como pena pra a suposta quebra de decoro que o meu cuspe representou, a suspensão, por 120 dias, do meu mandato.

Caso o Conselho de Ética aprove esse parecer e caso o plenário reitere a aprovação, na prática significa a suspensão mesmo, ou seja: minhas prerrogativas parlamentares estarão suspensas, os meus escritórios não estarão funcionando, e, na prática, eu deixo de ser parlamentar por 120 dias, e sequer o suplente, nesses 120 dias, pode ser chamado.

Então, é uma neutralização do mandato por esse período. Inclusive do meu salário, enfim. Mas o mandato não foi suspenso, o relatório não foi votado ainda, é importante que se entenda isso e que se desfaça essas confusões nas redes sociais.

3. Quais são as irregularidades do pedido de suspensão?

Essa pena não está amparada no Regimento Interno. O parecer de Ricardo Izar não encontra amparo nos artigos do Regimento Interno no que diz respeito à quebra de decoro parlamentar. A única vez em que um deputado teve o mandato suspenso por noventa dias foi porque estava envolvido num pesado esquema de corrupção – o esquema de corrupção de Carlinhos Cachoeira. Então, nunca uma pena dessas foi pedida, para, digamos, atos similares ao meu. Sem falar que Ricardo Izar ignorou o fato de que o processo contra mim é sustentado num vídeo comprovadamente fraudulento – a fraude foi comprovada pelo Instituto de Criminalística da Polícia Civil do DF.

A pedido do próprio Conselho de Ética, o vídeo foi periciado e foi feito um laudo comprovando que ele é um vídeo fraudulento que sugere que eu premeditei o cuspe, e não que eu reagi a insultos homofóbicos. O vídeo é comprovadamente fraudulento, Ricardo Izar ignorou isso, ignorou as testemunhas de defesa que disseram, várias vezes, que ouviram Bolsonaro me insultar e ouviram os insultos de outros deputados ontra mim durante a votação do Impeachment, e ignorou meu próprio depoimento.

Então, são essas as irregularidades do parecer.

4. Você atribuiria essa fraude a alguém especificamente?

Não, eu não atribuiria a ninguém especificamente, o que eu posso falar é de fatos: quem divulgou o vídeo fraudulento foi Eduardo Bolsonaro, filho de Jair Bolsonaro, que, de maneira categórica, disse, no Conselho de Ética, que o vídeo era autêntico, antes da perícia do Departamento de Criminalística da Polícia Civil do DF – perícia feita por provocação nossa, porque nós sabíamos que o vídeo era fraudulento, tanto eu quanto Chico Alencar, que aparecemos no vídeo.

Antes dessa perícia, o Deputado Jair Bolsonaro afirmou de forma peremptória que o vídeo era autêntico, e disse que renunciaria ao seu mandato caso ele estivesse mentindo.

É importante dizer que Eduardo Cunha teve o mandato cassado por mentir para o Conselho de Ética.

5. Poderia enumerar algumas condutas dos Bolsonaros que configuram quebra de decoro parlamentar mas pelas quais eles não foram punidos?

Poderia dar mais de cem exemplos, vou mencionar alguns. Bolsonaro me insulta e agride há anos, sem nenhum pudor. Além de todas as barbaridades irreproduzíveis que ele me diz fora do microfone, tem várias que foram ditas no microfone, em sessão ou em reuniões das comissões, e saíram ao vivo pela TV Câmara: “cu ambulante”, “deputado que ama o aparelho excretor”, “imbecil”, “idiota”, etc.

Ele empurrou a deputada Maria do Rosário na frente das câmeras e a chamou de vagabunda, e também disse que não a estupraria “porque é feia e não merece”. Ele deu um soco na cara do senador Randolfe, agrediu a senadora Marinor Brito; gritou para um grupo de jovens, numa audiência pública, “teu pai gosta de dar o cu”, chamou eles de “queima rosca”, expressão que também usa comigo. Tudo isso está filmado.

E tem coisas piores: ele me difama, usa calúnias criminosas contra mim, os seguidores dele me ameaçam de morte. Ele usou a sessão do impeachment para fazer apologia da tortura. Bolsonaro quebra o decoro várias vezes por dia. Ele é, usando uma expressão que ele gosta, uma “quebra de decoro ambulante”.

6. Quais providências o PSOL está tomando a respeito do parecer de Ricardo Izar?

Caso o parecer de Izar seja aprovado no Conselho – algo que eu duvido que aconteça, pois quero crer no senso de justiça dos conselheiros – vamos recorrer à CCJ, porque todo o processo esteve viciado de diversas nulidades. Podemos pedir nulidade do processo pelo fato de o deputado Izar ter antecipado ilegalmente o voto antes do fim da instrução do processo. Vamos provar que ele agiu com parcialidade, que foi na verdade um advogado da acusação e não um juiz imparcial. Vamos mostrar que ele ignorou as provas e até admitiu provas falsificadas, como o vídeo que nós advertimos desde o início que era falso e a perícia da Polícia Civil provou que nós falávamos a verdade.

Vamos denunciar a calúnia proferida por Izar contra mim e contra a minha advogada no mesmo dia da apresentação do parecer, deturpando as nossas falas e textos escritos, tanto no Conselho quanto nas redes. E por udo isso podemos pedir o afastamento dele da relatoria. O parecer dele pode ser anulado. Não descartamos recorrer ao STF e, se necessário, à Corte Interamericana de Direitos Humanos, para denunciar a perseguição política de que sou objeto.

Aliás, se eu, um deputado honesto, que não está citado na Lava-Jato, que nunca cometeu desvio ético, for suspenso por minha orientação sexual e por ter reagido a um bullying orquestrado e sistemático, vai ser um escândalo internacional. Eles fiquem sabendo que, caso esse parecer absurdo seja aprovado, passarei os 120 dias denunciando o governo brasileiro em todos os fóruns e tribunais internacionais de direitos humanos do mundo.