Equador virou narcopotência e próximos alvos do tráfico são Peru e Venezuela, diz especialista ao DCM

Atualizado em 18 de janeiro de 2024 às 20:20
Thiago Rodrigues, professor da Universidade Federal Fluminense, especialista em crime organizado transnacional e política de drogas

O Equador virou um narcoestado e os bandos que aterrorizam o país são comandados de dentro da cadeia. Segundo o professor Thiago Rodrigues, do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF), o poder oficial não entende – ou não quer entender – isso.

Não de fazendas, castelos, ilhas ou propriedades luxuosas, como La Catedral, de onde Pablo Escobar, com seu exército de “sicários”, liderava o Cartel de Medellín.

Rodrigues é especialista em crime organizado transnacional e política de drogas, autor dos livros “Política e Drogas nas Américas: uma genealogia do narcotráfico” e “Narcotráfico: uma guerra na guerra”. “A prisão é que torna o crime organizado, que permite organizar hierarquias, estabelecer planos de ação, tornar a polícia prisional refém, até por serem da mesma procedência social dos presos”, enumera. E resume, numa frase definitiva: “Tentar construir mais prisões para controlar o crime organizado é como tentar apagar um incêndio jogando gasolina”, compara.

A seguir, a entrevista com o professor Thiago Rodrigues:

Diário do Centro do Mundo – Por que o Equador está se tornando uma narcopotência?

Thiago Rodrigues – É uma combinação de coisas que produziram essa ‘tempestade perfeita’, para infelicidade do país. Internamente, o Equador passou por uma série de mudanças de governo, do desenvolvimentismo de Rafael Correa até hoje. Só que o modelo era quase totalmente baseado na venda de commodities, principalmente para um cliente preferencial, a China.

A partir de 2015, houve um baque no mercado de commodities, uma retração das compras chinesas, e o Equador acabou numa uma crise econômica profunda, que leva a um colapso do sistema de apoio social. Que levou à vitória do Lenín Moreno, apesar de ser o herdeiro político de Correa, elegeu-se com discurso neoliberal, que viveu em conflito com diferentes setores, da iniciativa privada aos movimentos sociais, culminando numa revolta popular histórica. A degradação econômica continuou com Guillermo Lasso, que, sem capacidade de governar, sem o Congresso, prestes a sofrer o impeachment, convocou eleições e abreviou o mandato, finalmente elegendo Noboa.

Esse foi o caldo social e político. Como o narcotráfico tomou o país?

A outra questão é que o Equador está encravado entre os dois maiores produtores de cocaína do mundo, um mercado que apareceu nos anos 70 e nunca mais deixou de crescer. O Equador estava envolvido, ainda que perifericamente, nessa economia, mas não era rota para os maiores mercados, Estados Unidos e Europa Ocidental, nessa ordem. O Equador, virado para o Pacífico, não era visto como a alternativa mais rentável. A rota estava estabelecida: o Caribe, em direção aos Estados Unidos, e Caribe e Atlântico em direção à Europa, via naval, toneladas levadas em navios de carga, entrando pelos grandes portos, Amsterdã, na Holanda – com suas leis e penalidades brandas sobre drogas -, Nápoles, na Itália, Antuérpia, na Bélgica, Marselha, na França, entre outros.

E, no caso dos Estados Unidos, que preferem um descarregamento em alto-mar, levando em barcos menores para piers privados e praias particulares. A repressão e, consequente, enfraquecimento dos grupos colombianos, levou os grupos mexicanos, que se tornarem a grande plataforma para a saída da droga. Com a América Central congestionada, a saída pelo Pacífico passou a ser interessante, e os portos equatorianos de Guayaquil (nas margens do rio Guayas, responsável por 70% do comércio marítimo equatoriano) e Manta, na província de Manabí (a 165 quilômetros de Guayaquil) passa a ser bastante viável, rentável e mais segura.

Onde vai parar o Equador?

Vai ficar pior.

Quem pode ser o próximo alvo, se o Equador saturar?

Peru e Venezuela.

Daniel Noboa, milionário e com pouca experiência com a política, dá conta do recado, pegando o país nessa situação?

A família Noboa é uma das mais ricas do Equador, são os maiores exportadores de bananas do país – um dos grandes produtos de exportação do país. Ele de fato nunca teve participação na política. Como contraponto, podemos lembrar que o pai dele (Álvaro Noboa) tentou se aventurar na política, e perdeu, em 2006, justamente para o Rafael Correa. Faz um tempinho que eles querem entrar na política diretamente, sobrou para o herdeiro.

Ele faz justamente o surrado discurso neoliberal, de que não é político e vai gerir o estado como uma empresa. Aliás, Noboa foi eleito na aba do assassinato, em 9 de agosto, do candidato e jornalista Fernando Villavicencio, que aparecia em 3º lugar nas pesquisas de intenção de voto para a eleição do Equador, criticando o narcotráfico. Isso embaralhou as pesquisas e Noboa se elegeu, acredite, prometendo acabar com o narcotráfico.

O senhor acha que ele consegue isso?

Não, claro que não, ninguém consegue isso. Quando o mercado de drogas está bem estabelecido, num país geralmente por um monopólio do tráfico, não há guerra. Como o Equador é novo nesse jogo, o espaço ainda está em competição, os grupos e estão brigando entre si e disputando rotas e territórios. Quando a competição é muito violenta, e por muitos grupos, o resultado é a violência visível – como tem acontecido no Equador nos últimos anos.

Como a guerra permanente por territórios e fornecedores entre as facções do tráfico, mais a milícia, no Rio de Janeiro?

Exatamente isso, porque o Rio não tem um grupo monopolizador. Já São Paulo, onde o crime também é comandado de dentro dos presídios, há um grupo hegemônico, o PCC (Primeiro Comando da Capital). Os demais grupos têm estruturas regionais.

Os cartéis se comunicam, têm negócios comuns, o que não quer dizer que todos os cartéis do mundo estão no Equador invadindo TVs e botando fogo em carros. Os cartéis brasileiros – PCC, CV e outros – estão conversando com os cartéis equatorianos ou até participando dos atos de terrorismo doméstico?

Não há nenhum, nenhum indício de conexão entre os narcotraficantes brasileiros e equatorianos. Se alguém disser isso, desafio que mostre provas. Até porque o Brasil faz fronteira com países fornecedores, de onde vem a droga, nem fronteira com o Peru nós temos. O Equador tem outro negócio, Estados Unidos e Europa. O Equador não interessa aos cartéis brasileiros.    Quem está vencendo essa guerra por espaço que ocorre nesse momento no Equador?

Existem dois grandes grupos locais, Los Choneros e Los Lobos . Mas existe uma dezena de grupos menores disputando espaço. Eles estão procurando aliados, fazem “joint ventures”, acordos internacionais, especialmente com os grandes cartéis mexicanos, que são hoje a grande plataforma.

Agentes vigiam presos depois que soldados recuperaram o controle da prisão de Turi em Cuenca, Equador

E as respostas do governo Noboa?

Quando ele promove a entrada em cena das Forças Armadas como forças policiais, promove a repressão nas ruas, medidas que vem sendo tomadas em vários países, ele usa um modelo que não em um objetivo. É reação midiática.

Isso não pode transformar o Equador numa ditadura?

O Estado de Exceção, adotado no Equador está em todas as constituições democráticas. Mas é brincar com fogo, até porque isso é decretado por tempo ilimitado e o controle civil sobre os militares é pequeno ou inexistente. Você solta o pitbull, quero ver trazer de volta pro canil.

E como o senhor vê os planos de Noboa de superlotar ainda mais as cadeias, inclusive construindo duas superpenitenciárias e mandando para alto-mar barcos-prisão?

São medidas midiáticas e paliativas. O problema do crime organizado no Equador, como no Brasil, é sua natureza prisional. Num país com grande desigualdade social, interesses do narcotráfico internacional e superencarceramento, temos a combinação perfeita para criar o crime organizado. Quem organiza o crime é a prisão. Esse tipo de medida paliativa e midiática de engordar o encarceramento, do chefe do tráfico ao pequeno traficante, de construir presídios, pode ser popular, mas a verdade é que o que o presídio organiza o crime organizado.

A prisão é que torna o crime organizado, que permite organizar hierarquias, estabelecer planos de ação, tornar a polícia prisional refém – até por serem da mesma procedência social dos presos, presas, excluídas. O presídio virou o quartel-general do crime organizado. Tentar construir mais prisões para controlar o crime organizado é como tentar apagar um incêndio jogando gasolina.

Tem solução para isso?

Pra falar só do sistema prisional, eu digo que nós prendemos muito e prendemos mal. A maioria esmagadora do sistema prisional é de peixes pequenos, lambaris do crime. Estamos fornecendo o Exército para o crime, estamos fazendo seleção de emprego para o crime e o juntando com os grandes criminosos. Se tivéssemos presídios de segurança máxima e só colocássemos os chefes do narcotráfico, isso seria muito melhor. O Brasil ultrapassou a marca de um milhão de pessoas presas – uma das três maiores populacionais prisionais do planeta – e o país não está melhor por isso.

Minha recomendação aos governantes: manter a prisão, em caráter de alta segurança, para os grandes chefes do narcotráfico, e fazer um grande movimento de despenalização dos pequenos infratores, e de reinclusão social. Inclusive, descriminalizar os usuários e os pequenos traficantes – que precisam de emprego. E, além disso, levar a sério a perseguição a quem está por trás do financiamento ao narcotráfico, que tem controle operacional do negócio, que não são pessoas pobres e faveladas que vendem baseados, mas aqueles que controlam transferências pelo mercado financeiro, que investem no mercado imobiliário e até compram times de futebol. Por que ninguém faz isso? Por que existem grandes interesses em manter esse sistema. É um grande negócio que interessa a todo mundo, por causa das rentabilidades econômicas e políticas.