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Erudina e as representantes de grelo duro de nossa geração. Por Nathali Macedo

Luiza Erundina

Se há um mérito que não posso negar a Eduardo Cunha é o de ter ajudado a revelar, nestes tempos medonhos, a rebeldia e a resistência das mulheres brasileiras — aquelas que já politizaram a própria condição, aquelas que atendem pelo título, para eles machista e para nós elogioso, mulheres de grelo duro.

Digo nestes tempos porque, de fato, nossas antecessoras jamais precisaram da sordidez de homem algum para revelá-la (eu falaria de Maria Quitéria, Maria Bonita, Pagu e Olga, apenas para começar).

Mas, nesse capítulo tão importante e tão lastimável da história das lutas femininas, quando querem arrancar a força a primeira mulher que chegou ao poder, o asco e a revolta que sentimos diante do político mais sujo do país nos despertou.

Embora não esteja sozinho, Cunha se consagrou como o símbolo máximo da misoginia, do cinismo e do mau-caratismo, e a sua figura, por si só, seria capaz de nos unir para uma luta audaciosa. Eduardo Cunha representa tudo o que as mulheres desta geração abominam.

Não são, portanto, apenas os nossos direitos ameaçados que nos movem, ou ao menos não exatamente isto. O que nos move é ver esse espetáculo machista que eles protagonizam esmeradamente.

É, mais do que nunca, uma luta quase instintiva. Um instinto de sobrevivência, eu me atreveria a dizer: quando se é mulher, luta-se ou morre-se (não apenas a morte física, mas também e principalmente).

Muitos são os nomes que me adoçam a boca e compensam a sensação nauseante de lembrar que Cunha existe: uma mulher torturada na ditadura voltou trinta anos depois e chegou à presidência. Isso é mais simbólico e mais representativo para nós do que se pode imaginar.

Além dela, muitas outras mulheres resistiram: como as milhares de brasileiras que foram às ruas contra Cunha ou Erudina, com uma trajetória política impecável e uma ousadia necessária.

Luiza Erundina colocou nas mãos de Paulo Freire a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, e teve como secretária de cultura Marilena Chauí. Foi a primeira a ter organização suficiente para minimizar as questões habitacionais de São Paulo, restaurou bibliotecas e sancionou a lei de incentivo fiscal à cultura do município.

Agora, com 81 anos, peita Eduardo Cunha com a coragem e a ousadia dos vinte. Resiste bravamente a qualquer tentativa de silenciamento, fala mesmo sem microfones e desconcerta os golpistas.

Depois da queda do ex-Presidente da Câmara, subiu mais uma vez à Tribuna. Fez tanto barulho a ponto de Waldir Maranhão cancelar a sessão. Erudina é, agora, por exemplo, a inspiração das militantes que não permitem que um homem lhes tire o microfone.

As grandes mulheres do nosso país, em todos os sentidos que este termo abarca, não apenas influenciam este movimento de resistência, elas o são. Dilma segue resistindo ao golpismo e à misoginia, Erudina sentou-se na cadeira de Cunha, as brasileiras não se calaram diante do ‘bela, recatada e do lar’ da Veja, Katia Abreu atirou bebida em José Serra por ter sido chamada de ‘namoradeira’… Nada nos passa despercebido.

Nossos grelos estão cada vez mais duros.

Nathalí Macedo

Escritora, roteirista, militante feminista, mestranda em Cultura e Arte. Canta blues nas horas vagas.

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Nathalí Macedo

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