Escândalo da máfia da merenda em SP foi enterrado há um ano e não tem direito a exumação. Por Eduardo Reina

Atualizado em 1 de novembro de 2017 às 8:34
Capez invoca Deus na discussão das merendas

No último dia 25 de outubro de 2017, a Câmara dos Deputados em Brasília arquivou mais uma denúncia da Procuradoria Geral da República contra o presidente da República, Michel Temer.

A recusa em investigar crime de corrupção envolvendo Temer e dois de seus mais próximos aliados, os ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco, releva provas, gravações em vídeo e de áudio, documentos, delações e uma infinidade de informações que baseiam a denúncia.

Uma triste sina para a política brasileira. A base aliada de Temer manteve posição do relatório assinado pelo deputado Bonifácio Andrade, do PSDB de Minas Gerais, em dizer que não há provas suficientes para incriminar o trio.

Mas em São Paulo a situação é muito similar.

Há oito meses o relator do processo que tramitava na Comissão de Ética da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo – David Zaia (PPS) – também recomendou o arquivamento do caso envolvendo o então presidente da Casa, deputado Fernando Capez (PSDB), envolvido no escândalo de desvio de verba da merenda escolar nas escolas públicas paulistas.

O relatório final da CPI da Máfia da Merenda isentou participação de qualquer agente do governo estadual no escândalo e manteve a culpa apenas dos funcionários da cooperativa que vendia alimentos superfaturados ao Executivo. Ou seja, uma corrupção com corrompido, mas sem corruptor.

Zaia, que também foi o relator da CPI sobre os Pedágio Eletrônicos, que não apontou irregularidades no modelo de pedagiamento adotado nas rodovias sob concessão em São Paulo, alegou que o processo na Comissão de Ética que poderia culminar com a cassação de Capez não merecia prosseguir porque carecia de elementos que comprovassem a autoria de Capez no crime capaz de justificar a quebra de decoro parlamentar.

Capez foi citado por pessoas investigadas pela Polícia Civil como beneficiário do esquema que teria elevado os valores dos contratos de fornecimento de alimento para a merenda escolas entre o governo do Estado de São Paulo e a Cooperativa Orgânica Agrícola Familiar (Coaf).

Na CPI que “investigou” a denúncia, apenas assessores de Capez ligados com a máfia da merenda acabaram responsabilizados. O relatório final da CPI apontava também que não houve participação do governo do PSDB nesse escândalo.

Parece que o mesmo roteiro adotado em São Paulo é reproduzido em Brasília, ou vice-versa. E ganha corpo se for levado em conta que o assunto morto e enterrado na Alesp também não prosseguiu na esfera Judicial nem no Tribunal de Contas do Estado (TCE).

O escândalo da máfia da merenda escolar morto e enterrado há um ano não tem direito sequer a exumação. A Comissão Parlamentar de Inquérito criada em junho de 2016 com “a finalidade de apurar e investigar o fornecimento de merenda escolar em todas as escolas estaduais nos contratos firmados por empresas e por Cooperativas de Agricultura Familiar com o Governo do Estado de São Paulo e Municípios paulistas, além de eventuais ações de agentes públicos e políticos, para esclarecer se houve ou não prejuízos ao erário” não deu em nada.

O relatório final, de responsabilidade de deputado Estevan Galvão (DEM), absolveu todas as pessoas públicas ligadas ao escândalo e jogou a culpa sobre a Cooperativa Coaf na venda de produtos superfaturados e de qualidade questionável dos alimentos distribuídos aos estudantes das escolas públicas de São Paulo.

As investigações sobre o esquema formado no conluio entre a Cooperativa Coaf, lobistas e servidores públicos estaduais das Secretarias de Educação, Casa Civil, Agricultura, além do envolvimento do então presidente da Alesp, deputado Fernando Capez (PSDB) e seus assessores à época – Jeter Rodrigues e Merivaldo Santos – não deram em nada até hoje. 

Rodrigues e Santos acabaram citados pela CPI como responsáveis pelo escândalo. As evidências do envolvimento de funcionários do alto escalão do governo estadual no esquema foram relevadas. Uma coincidência com o que acontece hoje em Brasília.

Um parecer do próprio Tribunal de Consta do Estado (TCE) apontou sobrepreço de 44% na aquisição da merenda por parte da Secretaria Estadual de Educação do governo de Geraldo Alckmin (PSDB).

Mesmo assim, nada foi feito. Um relatório em separada na Bancada do PT na Alesp sobre a CPI da Máfia da Merenda apontou os prejuízos causados aos cofres públicos e elencou sugestões para combater futuras fraudes e melhorar a qualidade da merenda fornecida aos alunos das escolas estaduais.

O ex-presidente da Alesp, Fernando Capez sempre negou as acusações e disse que a investigação sobre a máfia da merenda foi solicitada por ele próprio.

O promotor de Justiça que investigou o caso na cidade de Bebedouro, Leonardo Romanelli, chegou a dizer que os crimes investigados à época eram associação criminosa, fraude em licitação, corrupção ativa, corrupção passiva e peculato. Bebedouro é a sede onde está a sede da Coaf, cooperativa que fornecia os alimentos para a merenda. Romanelli chegou a dizer que a Cooperativa “era feita para a realização de contratos escusos”. A Secretaria Estadual da Educação declarou a inidoneidade da Coaf.

Um voto em separado da Bancada do PT na CPI da Máfia da Merenda chamou a atenção para o fato de que foi admitido o crime de sobrepreço nos contratos de compra dos alimentos, mas apenas com envolvimento dos membros da Cooperativa, sem a participação de agente públicos do governo estadual.

“Curioso que para excluir agentes políticos das implicações observadas nesta comissão, o nobre relator se valeu basicamente de depoimentos de membros da COAF, apontada por ele próprio como organização criminosa, no que concordamos, e conclusões de trabalho da Corregedoria Geral de Administração, órgão de controle interno do Estado que se mostrou parcial, sem a isenção necessária para encaminhar solução adequada à matéria que lhe toca, justificando em muito a instalação de uma investigação independente como esta CPI. Os depoimentos prestados por membros da COAF não podem servir única e exclusivamente para concluir o que todos já sabem, que é a responsabilidade da falsa cooperativa pelos malfeitos perpetrados, não sem a participação de agentes públicos.”

Para se ter uma ideia do superfaturamento de preços na compra, uma caixa de um litro de suco de laranja foi comprada por R$ 6,10 e o TCE apontou que o preço médio de mercado na época era de R$ 2,50, essa diferença representou um prejuízo de R$ 7,2 milhões num dos contratos investigados. Mas nada foi adiante.

A Procuradoria Geraldo de Justiça havia enviado pareceres que mostravam a existência de movimentação financeira além do normal nas finanças pessoais de vários dos envolvidos, principalmente assessores de ex-presidente da Alesp. Foram ignorados. Outra demonstração de similaridade com o ocorrido em Brasília.

Os depoimentos prestados pelos membros da Coaf informando comissão de 10% sobre o contrato e os saques observados a partir da análise da quebra de sigilo bancário da cooperativa confirmam propinas da ordem de aproximadamente R$ 1,2 milhão. O prejuízo aos cofres públicos, porém, foi de R$ 8,21 milhões, isso em apenas um contrato relativo à merenda, sugerindo que muitos outros possam estar contaminados por esquema semelhante.

Documentação com todas as conclusões, citações, confissões e relato dos esquemas foi enviada em dezembro de 2016 para a Procuradoria Geral de Justiça, ao Ministério Público Federal em Ribeirão Preto, à Procuradoria Geral da República, ao Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, à Corregedoria Geral de Administração do Governo de São Paulo e à Mesa Diretora da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Completados quase 11 meses, praticamente nada avançou. Como os escândalos de corrupção em Brasília.