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“Escola sem Partido quer transformar alunos em soldadinhos de chumbo”, diz Erika Kokay ao DCM

Erika Kokay

Integrante da Comissão Especial criada para analisar o projeto de lei que ficou conhecido como “Escola sem Partido”, Erika Kokay, do PT do Distrito Federal, contou ao DCM o que está por trás da proposta e as estratégias para barrar o avanço da matéria na Câmara.

Ela afirma que o objetivo dos autores do projeto é calar professores e retirar da escola o status de espaço de debate e diversidade, subordinando o conhecimento a concepções morais e religiosas.

A próxima reunião da Comissão Especial está marcada para a semana que vem.

O projeto é constitucional?

Não. Ele é inconstitucional. Porque fere a liberdade de cátedra, tira a função pedagógica do educador. O “Escola sem Partido” desrespeita e robotiza, tanto o professor quanto o aluno. E isso dialoga muito bem com a proposta de ensino fundamental à distância, que é absurda.  

A que interesses atende esse projeto?

À bancada fundamentalista. O interesse é ideológico. É um projeto partidário. O “Escola sem Partido” serve para impor um partido, uma ideologia, que tira a possibilidade da relação de pessoas com uma consciência crítica e elimina a escola como espaço oficial de vivência de diversidades. É isso que eles querem anular. Ou seja, querem impor uma ideologia acusando professores de doutrinação. O “Escola sem Partido que transformar alunos em soldadinhos de chumbo, que seguem a ordem do líder sem questionamentos, sem crítica.

Assusta o avanço de um projeto como esse?

Sim. E pior. Tem uma nova versão, um novo substitutivo, que piora em grande medida o próprio projeto. Ele retira a menção da palavra gênero de dentro de sala de aula. E ele fere brutalmente a Ciência, quando ele diz que as concepções religiosas e morais dos pais têm que prevalecer sobre o conteúdo.

Ora, isso significa que se o pai tem uma concepção religiosa criacionista, a sala de aula não pode falar de Darwin, da evolução das espécies. Ou da origem do universo, segundo a construção e o avanço que a ciência teve. Ou seja, as concepções morais e religiosas não podem suplantar o desenvolvimento científico em uma escola, dentro da classe de aula.

Na sua visão, quais são as consequências disso para a educação brasileira?

Terríveis. A partir de um ponto de vista conteudista, digamos assim, isto é, sem a discussão da contextualização e sem a construção de consciências críticas, eles querem, em verdade, calar as escolas, os espaços naturais de convivência com a diversidade. O desenvolvimento da inteligência humana pressupõe o desenvolvimento da consciência crítica.

Você transforma a escola numa escola ideologizada, porque quando você impede que a Ciência se desenvolva, e seja submetida a uma concepção moral e religiosa, você está impondo, de certa forma, uma ideologia e tirando, ao mesmo tempo, a liberdade de cátedra do docente, que é constitucional.

E os argumentos de que o projeto foca no conteúdo das disciplinas?

Quando você coloca o conteúdo sob concepções morais e religiosas, de pais etc, você fere mortalmente a Ciência. Então, mesmo do ponto de vista conteudista, quando o conteúdo é descolado de relações sociais e descolado da própria realidade das pessoas, esse conteúdo se enfraquece enquanto acúmulo de conhecimento.

A escola é diálogo de gente. As pessoas chegam na escola com saberes, que não podem ser desconsiderados. Estudantes não são receptáculos vazios para engolir um conteúdo, que descolado da realidade se enfraquece enquanto acúmulo de conhecimento.

Como se deu o avanço desse projeto na Câmara?

O “Escola sem Partido” está sendo analisado por uma comissão especial, que é criada para dar parecer de mérito de várias comissões. Uma comissão especial é montada quando um projeto tem de passar por, pelo menos, três comissões de mérito. Então, cria-se a comissão especial para substituir isso.

Além disso, o projeto é conclusivo, ou seja, se aprovado, vai direto para o Senado, sem passar por votação em Plenário.

Na próxima reunião, iremos obstruir para tentar impedir que ele caminhe. Se não conseguirmos obstruir, ainda temos o pedido de vista, que adia a votação por duas sessões, dando mais uma semana, no mínimo.

E ainda que eles consigam aprovar, apresentaremos um requerimento para que o projeto deixe de tramitar em caráter conclusivo. Porque com a assinatura de 10% dos deputados nesse requerimento o caráter conclusivo é suspenso e o projeto terá que ser votado pelo Plenário. Ou seja, são quatro semanas até o fim do ano, e vamos usar todos os instrumentos regimentais para impedir o avanço dessa matéria, dessa lei da mordaça.

Como funcionaria na prática?

Segundo o projeto, o professor teria sempre que apresentar dois pontos de vista. É uma ideia de escola sem discussão de posições a partir do lugar de cada um.

A dita neutralidade, que não é neutralidade, é a tentativa de impedir a reflexão, a crítica. Esse projeto dialoga muito bem com o ensino fundamental à distância, que é a transmissão de conteúdos sem a relação pessoal, tão importante para a formação cidadã. Quando você lida com pessoas, você lida com um conhecimento que nunca se encerra em si mesmo. Ele é infinito.

O projeto impede o uso da palavra “gênero”, portanto é mordaça explícita. E eles obrigam o professor a sempre estar apresentando dois pontos de vista. Só que imaginem fenômenos históricos que já foram consensuados, como o nazismo: seria apresentado como um dos pontos de vista? E a escravidão, vão defender os escravocratas?

Querem voltar no tempo. Como criar relações de conhecimento sem a dúvida, sem o estranhamento, típico do aprendizado? Querem impor um pensamento descolado da realidade, como algo que deve ser aceito e ponto.

E o argumento de que há no ensino brasileiro uma doutrinação comunista?

Os que falam em doutrinação comunista ou não sabem o que é um projeto pedagógico ou não sabem o que é comunismo. Criando inimigos imaginários, típico do fascismo. Aprofundando, querem colocar a escola inimiga da sociedade, o educador como inimigo do aluno.

Esse argumento tem como pano de fundo a invenção de inimigos para poder justificar a implantação, velada, de uma ideologia. A ideia é vigiar e punir. Como uma professora, uma deputada estadual (Ana Caroline Campagnolo) eleita em Santa Catarina, tira uma foto com um bastão que tem escrito “Direitos Humanos”?

Roberto De Martin

Roberto de Martin é jornalista mineiro de Matias Barbosa radicado em Brasília

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