Desde 2004, há 20 anos, quando o condomínio ultraliberal, conservador e antipetista começou o revezamento na Prefeitura de Porto Alegre, esta foi a conjuntura eleitoral mais favorável para o retorno da esquerda ao governo da capital gaúcha.
O desastre catastrófico da cidade, que derivou da gestão ruinosa, incompetente e corrupta do prefeito bolsonarista Sebastião Melo, abriu possibilidades inéditas para a luta da esquerda contra o bloco conservador no poder.
Apesar disso, no entanto, a chapa de esquerda na eleição –Maria do Rosário/PT e Tamyres Filgueira/PSOL– não correspondeu a esta possibilidade. E não conseguiu aproveitar o potencial de voto lulista na cidade.
Na eleição presidencial de 2022 Lula venceu Bolsonaro no 2º turno em Porto Alegre com 437.798 votos. Porém, no 2º turno da eleição deste ano para a Prefeitura, Maria do Rosário obteve apenas 58% dos votos do eleitorado lulista – 254.128 ao todo.
É preciso analisar a fundo os fatores que determinaram esta derrota da esquerda na cidade que durante 16 anos, de 1989 a 2004, ficou mundialmente conhecida pelas Administrações Populares lideradas pelo PT, mas hoje foi transformada num laboratório avançado de experimentos ultraliberais.
Questões complexas precisam ser consideradas na avaliação desta derrota, como por exemplo a perda de inserção da esquerda sobretudo do PT e nos territórios populares e desfavorecidos da cidade, que contrasta como o avanço da presença das igrejas neopentecostais, de lideranças comunitárias cooptadas e de organizações “voluntárias” vinculadas à direita.
É preciso se considerar, também, o papel da mídia hegemônica local, marcadamente antipetista.
Aliada estratégica nos negócios gerados na cidade pelo bloco de poder que controla a Prefeitura, sobretudo no setor financeiro-imobiliário, esta mídia assegura a blindagem do governo incompetente e corrupto de Sebastião Melo.
Mas, além das causas acima comentadas, devem ser analisadas as escolhas equivocadas da esquerda para a eleição, a começar pela definição da chapa, que ocorreu com inaudita antecedência, em outubro/novembro de 2023, quase um ano antes do pleito.
Nunca antes na história do PT porto-alegrense o Partido definiu alguma candidatura majoritária com tamanha antecedência, e num processo burocrático e restrito às nomenklaturas partidárias.
Foi rompida a tradição democrática do PT, de escolha direta de suas candidaturas majoritárias pelos seus filiados em processos abertos, transparentes e burocráticos.
Foi feita uma escolha sem aderência na conjuntura eleitoral concreta. Meses depois da chapa escolhida, a conjuntura se alterou consideravelmente com as enchentes, indicando a necessidade de uma chapa com perfil diferente daquela definida burocraticamente. Mas a tática eleitoral não foi atualizada.
Conhecia-se desde sempre a alta taxa de rejeição da Maria do Rosário; rejeição derivada, deve-se dizer, da sua atuação combativa em defesa dos direitos humanos.
De qualquer maneira, contudo, trata-se de uma rejeição significativa, e que já prefigurava o baixo teto de desempenho eleitoral que Rosário poderia alcançar. Ainda assim, a candidatura foi mantida, mesmo com o giro da conjuntura devido às enchentes.
O acerto fechado entre as federações PT/PcdoB/PV e PSOL/REDE bloqueou a possibilidade de se discutir uma aliança eleitoral incluindo o PDT, que concorreu com Juliana Brizola.
Para completar, a campanha foi ruim. A comunicação e os programas de rádio e televisão ficaram muito aquém da rica criação do PT no campo da comunicação, acumulada em mais de 40 anos de disputas simbólicas.
Em grande medida, a derrota da esquerda em Porto Alegre, que significa o desaproveitamento da melhor conjuntura surgida nos últimos 20 anos, é decorrência de escolhas equivocadas e da degeneração burocrática do PT, cada vez mais um Partido que congrega interesses heterogêneos, mas não-coletivos, de mandatos parlamentares.
Isso significa, portanto, que o PT “tem salvação”, segundo se constata na justa ira de militantes e simpatizantes –históricos e emergentes– que, desde as bases do Partido, reclamam atitudes e mudanças urgentes do PT de Porto Alegre diante desta derrota.
Esta militância indignada com a derrota em Porto Alegre entende que a persistência do PT neste caminho equivocado poderá representar a derrota de Lula para o fascismo em 2026. O que, evidentemente, será trágico.
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