A arte de viver segundo Sêneca

Atualizado em 21 de novembro de 2012 às 20:38

“Quem quer viver com a alma tranquila não pode ter muitas ocupações ou se atormentará”

Apaixonei-me por Sêneca logo na primeira leitura. Nunca tinha visto uma combinação tão sublime de forma e conteúdo: palavras inteligentes escritas com beleza. Logo entendi por que Montaigne, o filósofo francês que ressuscitou o estoicismo em seus clássicos Ensaios, disse que sem Sêneca seu livro seria uma sucessão de páginas em branco. Montaigne dedicou a Sêneca um capítulo comovedor, defendendo-o dos que afirmaram que ele não viveu como pregava em seus escritos.

Sêneca (4a.C. – 65 d.C.) foi preceptor de Nero. No início do império deste, antes que degenerasse numa tirania sangrenta, Sêneca teve influência poderosamente positiva na vida romana. Ele esteve por trás do chamado neronian quinquennium, os primeiros e promissores cinco anos de Nero no governo de Roma. Depois Sêneca foi engolfado pelo que descreveu magistralmente como “perpétuo vai-e-vem de elevações e quedas”. A queda final veio com uma ordem do antigo discípulo para que se matasse. Sêneca, que escrevera com freqüência sobre a beleza serena e corajosa da morte de figuras como Sócrates e Catão, suicidou-se cortando os punhos. Teve, no final, uma bravura que nem seus inimigos ousaram negar. Como Sócrates, ele dedicou seus últimos momentos a dar ânimo aos amigos desesperados que o cercavam. Se é discutível se ele viveu como pregou, é inegável que na morte foi inteiramente fiel aos próprios preceitos. Sua mulher decidiu se matar junto com ele.

Nero, sinistro, quis saber como seu antigo mestre recebera a sentença de morte. A resposta dificilmente terá agradado a ele. O mensageiro lhe disse que Sêneca ficou absolutamente impassível. Não implorou pela vida, não se lamuriou, não pediu nada.

A morte de Sêneca, por Rubens

Sêneca deve ser lido e relido aos poucos, com vagar. Na cama, sob um abajur, suas palavras confortam e podem trazer calor e luz em horas escuras e frias. Tenho sempre a meu lado o ensaio “Da Tranqüilidade da Alma”, parte de um volume da coleção Os pensadores, da Editora Abril. O grande teste dos escritos é sobreviver ao tempo. Sêneca é intensamente atual. Ele escreveu há quase 2 mil anos e, no entanto, suas sentenças têm um frescor que ao mesmo tempo inspira e arrebata.

No ensaio citado, admiro, particularmente, as reflexões sobre o estado de agitação em que parecemos estar condenados a viver. Sêneca começa por citar Demócrito, o filósofo grego que diante da miséria humana optava por rir em vez de chorar: “Quem quer viver com a alma tranqüila não deve ter muitas ocupações”. Num mundo em que as pessoas a um só tempo teclam no computador, falam ao telefone e comem sanduíche, eis uma frase que merece estudo. Estamos sempre estressados e, no entanto, quando paramos para ver quantas de nossas ações são realmente úteis e imperiosas, a resposta pode ser: poucas. Muitas vezes, nenhuma. Mas dificilmente conseguimos parar. Na grande frase de Pascal, que amava e odiava os estóicos, a infelicidade dos homens deriva da incapacidade que temos de ficar parados em nosso quarto.

Sêneca tem uma definição espirituosa para as pessoas que estão sempre mendigando ocupações: “preguiça agitada”. As atividades inúteis a que nos entregamos, diz, lembram “as idas e vindas das formigas ao longo das árvores, quando elas sobem ao alto do troco e tornam a descer, para nada”. Muitas vezes, confesso, subo e desço meus troncos de árvores apenas pela dificuldade de ficar parado. Quando me vejo como uma formiga, ler Sêneca é igual a um beliscão. Não raro, a prova maior de sabedoria que podemos dar não está num ato majestoso ou numa locução cintilante, mas sim em não fazer nada.

Este texto foi publicado no Diário do Centro do Mundo em 31 de agosto de 2011.