Esgotou-se o repertório de blefes de Bolsonaro. Por Moisés Mendes

Atualizado em 17 de junho de 2020 às 23:53
Presidente Jair Bolsonaro – FOTO: ALAN SANTO/PR

Publicado originalmente no blog do autor

Por Moisés Mendes

Ele blefa pela manhã e tenta consertar o blefe à tarde. Bolsonaro gostou do alerta sobre a corda esticada, usado pelo general Luiz Eduardo Ramos, repetiu a figura e passou a brincar com metáforas sobre o golpe, sempre para blefar.

É só o que faz. Anunciar o golpe é sua diversão. Brincar de ditadura, como diz Gilmar Mendes, é sua obsessão. Assim mantém sua turma atenta e motivada e o país em dúvida sobre o que de fato estaria preparando. O objetivo mesmo é amedrontar o Supremo.

Bolsonaro gostava de usar imagens associadas a casamento, namoro e sexo, sempre para dar a entender que tudo o que faz é parecido com um caso amoroso. Ele é sedutor.

Foi assim que já casou com Sergio Moro, já se separou de Sergio Moro, namorou Regina Duarte, mandou Regina embora. E casa e descasa a todo momento com Rodrigo Maia. Há pouco se separou de Olavo de Carvalho.

Bolsonaro agarra-se ao que é aparentemente singelo, mas é raso, não por orientação de algum marqueteiro, mas porque é assim mesmo. Hoje, decidiu avisar que não será o primeiro a chutar o pau da barraca.

Já foi dito que o grande risco com Bolsonaro não é mais a ameaça de golpe, mas o desastre total da economia, a incompetência para governar. O blefe é apenas um blefe para desviar atenções e mete medo.

Está ficando evidente que ele não tem lastro militar para tentar o que promete. E, se tentar, como último recurso para se fortalecer, como reação ao avanço do Supremo, pode ficar sozinho, ou o golpe pode se virar contra ele mesmo.

Alguém acredita que os generais darão um golpe (como seria esse golpe?) para ficar sob a liderança de Bolsonaro? Os generais seriam capazes de seguir as orientações de um Bolsonaro ditador e segurar um golpe? Por quanto tempo?

Corre e ganha adeptos a tese segundo a qual já vivemos sob um regime militar, em que a última instituição ainda intacta, apesar dos ataques, seria o Supremo. É uma tese forçada.

Bolsonaro é o cara que não sabe como se livrar do truque que inventou. Está viciado em ameaçar todos os dias com golpe.

Escreve notas anunciando o golpe e pede que os militares assinem. Diz num dia, todo cordial, que irá usar as leis para contestar as ações do Supremo. E avisa no outro que está chegando a hora de colocar as coisas no lugar.

O que Bolsonaro talvez espere é um gesto mais forte dos generais. E aí o que temos é Hamilton Mourão, também ameaçado pelo processo eleitoral no TSE, falar que uma bola é feita de couro e que o couro sai da vaca.

Hoje, Bolsonaro largou essa, na posse do novo ministro das Comunicações: “Não são as instituições que dizem o que o povo deve fazer, é o contrário. O povo é quem diz o que as instituições devem fazer”.

O recado é claro. Ele tem voto, tem legitimidade como eleito e sustentação do povo. O Supremo não tem voto.

Mas isso é frase de discurso escrito. Bolsonaro é bom no improviso no cercadinho. Amanhã, se ele se empolgar com o público, poderemos ter outro blefe para comentar a decisão do STF de manter sob controle da Corte o inquérito das fake news.

Pode chegar o dia em que os blefes de Bolsonaro provocarão gargalhadas da própria claque do cercado do Alvorada. Está se esgotando o repertório de blefes de Bolsonaro.

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ESTÃO ESPERANDO?
Em algum momento a Polícia Federal poderá pedalar as portas dos filhos de Bolsonaro, no inquérito das fake news.

Mas encontrará o quê? O que os filhos de Bolsonaro ainda podem ter guardado à espera da pedalada da PF?

Todos as provas contra os garotos, incluindo os computadores, estão lá guardadinhos à espera da batida?

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SE TIVESSE….
“Tivesse (o Supremo) levado o projeto constitucional a sério, haveria militares presos por crimes contra a humanidade. Quando validou, em 2010, a aplicabilidade da Lei de Anistia para crimes de tortura, o STF temia ‘abrir feridas do passado’. Não percebeu que as feridas nunca fecharam e tornou Jair Bolsonaro possível.”
Trecho de artigo na Folha de Conrado Hübner Mendes, professor de direito constitucional da USP, doutor em direito e ciência política e embaixador científico da Fundação Alexander von Humboldt.