
As vozes democráticas torcem para que o Supremo Tribunal Federal confirme a sinalização dada de que voltou a ser uma corte guardiã da Constituição. Em diversas declarações extra-autos – e em algumas decisões, como a que anulou a condenação do ex-presidente da Petrobrás, Aldemir Bendine -, ministros revelam-se indignados com a forma com que Sérgio Moro e Deltan Dallagnol conduziram a operação Lava Jato, ora desmascarada pelas revelações do Intercept Brasil na série de reportagens batizada Vaza Jato. Em breve, a Segunda Turma do STF julgará o habeas corpus impetrado pela defesa do ex-presidente Lula, em que se aponta suspeição de Moro no julgamento do “caso triplex”. Muitos apostam na vitória de Lula.
Quem conhece as vaidades e as idiossincrasias do STF, contudo, recomenda que se coloquem as barbas de molho.
“Eu acho que para o Supremo declarar a suspeição de Sérgio Moro ainda falta muito, principalmente porque os áudios (do aplicativo Telegram, que comprometem Moro, Dallagnol e membros da força-tarefa) não podem ser utilizados como fontes de prova jurídica”, afirma o advogado Rubens Glezer, professor de Direito Constitucional da FGV Direito e um dos coordenadores do centro de estudos “Supremo em Pauta”.
Desvendar o comportamento dos ministros do tribunal tem sido uma das tarefas de Glezer, daí sua percepção de que algo está acima da questão de valor dos áudios como prova: o impacto político de uma decisão favorável a Lula, preocupação inerente a todo o corpo do STF e que tem mais a ver com a opinião pública do que com o Direito.
“Como a tese jurídica da suspeição não muda, apesar das novas circunstâncias, acho difícil neste momento que por uma das turmas anule-se todo o processo de Lula. Os ministros são muito cientes do grau de repercussão que isso pode ter para a instituição”, acredita Glezer.
A confirmar-se a previsão do jurista, Lula terá acertado na mosca quando, no passado recente, se referiu ao Supremo como uma corte acovardada.
“É difícil ler onde os ministros estão. Todos eles fazem uma leitura do cenário para se posicionar, e avaliam que tipo de retaliação sua conduta pode acarretar à instituição”, diz Glezer, para quem “o apoio à Lava Jato ainda permanece razoavelmente sólido” no âmbito do Supremo.
Isso significa que o surto garantista e as falas públicas de Gilmar Mendes, a postura conhecida de Ricardo Lewandowski e o voto inesperado de Carmem Lúcia no caso Bendine não refletem uma inflexão concreta do tribunal no sentido das garantias constitucionais. Ressalte-se que o voto de Celso de Mello é imprevisível, mesmo levando-se em conta suas recentes manifestações pró-garantias. O relator Edson Fachin está fechado com a Lava Jato. Em termos de colegiado pleno, Luiz Fux, Rosa Weber e Luís Roberto Barroso também fecham com a operação. Sobram Alexandre de Moraes, que inesperadamente chancelou a delação dos irmãos Batista contra seu padrinho Michel Temer, o surpreendente Marco Aurélio e o presidente Dias Toffoli, este em fase de afagos ao governo Bolsonaro.
“O Supremo continua rachado. É muito difícil imaginar uma mudança muito radical dos ministros”, observa Glezer.
É inegável, porém, que o STF mudou. E não por causa da Vaza Jato. Rubens Glezer lembra que desde 2017 não se veem decisões unânimes como aquelas contra o senador Delcídio do Amaral e o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha.
“O Supremo não mudou radicalmente com a Vaza Jato, houve mudanças de posicionamento antes dela. É possível rastrear isso, a começar pela época do impeachment de Dilma Rousseff e da morte do ministro Teori Zavaschi, quando decisões antes unânimes passaram a se dar por seis a cinco”, recorda.
Glezer relativiza o impacto da Vaza Jato perante a comunidade jurídica e mesmo perante a opinião pública. O jurista acha que a operação Lava Jato mantém boa parcela do seu capital político. E explica por que: “Pode ser que a Vaza Jato tenha repercussão no futuro, mas neste momento de conflito as pessoas não mudam de posição, ainda mais quando se está falando de um valor como o do devido processo legal, que para a maioria das pessoas não quer dizer nada, não passa de um detalhe. O devido processo legal acaba não significando nada num país com tanta desigualdade, com tantas violações de direitos, em que as pessoas não sabem exatamente o que é a Constituição, em que há milícias e grupos de extermínio atuando. Falar em devido processo legal só vale para quem tem sensibilidade jurídica”.
Sensibilidade jurídica e respeito do devido processo legal é justamente o que se espera dos ministros do Supremo Tribunal Federal.