Destaques

Especialistas apontam os erros jurídicos no ataque de Bretas e MP à advocacia

Juiz Marcelo Bretas. Foto: Reprodução/Twitter

Publicado originalmente no site Consultor Jurídico (ConJur)

POR SÉRGIO RODAS

Ao apresentar denúncia contra advogados por contratos firmados com a Fecomercio à Justiça Federal, o Ministério Público Federal do Rio de Janeiro tentou contornar entendimento dos tribunais superiores de que os casos envolvendo o Sistema S devem ser julgados pela Justiça Estadual.

Além disso, também há jurisprudência firmada no sentido de que dirigentes de entidades do grupo não são nem podem ser equiparados a funcionários públicos. Portanto, nem os dirigentes, nem quem com eles fizer negócios pode ser acusado de crimes contra a administração pública, como peculato ou corrupção.

Essas são algumas das ilegalidades, apontadas por especialistas, do ataque à advocacia promovido por meio de denúncia apresentada pelo MPF e chancelada pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro. Bretas expediu 50 mandados de busca e apreensão contra advogados, cumpridos na quarta-feira (9/9).

A denúncia foi montada com base na delação de Orlando Diniz, ex-presidente da Fecomércio, do Sesc e do Senac do Rio de Janeiro. Encurralado pelo Ministério Público Federal, Diniz só conseguiu fechar acordo de delação após prometer acusar grandes escritórios de advocacia, segundo a revista Época. Em troca, ele ganha a liberdade e o direito de ficar com cerca de US$ 350 mil depositados no exterior.

O MPF argumenta que a Fecomércio gastou R$ 151 milhões com advogados para obtenção de “facilidades” em processos em curso no Conselho Fiscal do Sesc Nacional, no TCU e no Judiciário. O órgão tenta justificar a competência da Justiça Federal afirmando que as entidades do Sistema S seriam “paraestatais”, com recursos provenientes de contribuições obrigatórias que compõem a carga tributária federal e com compras submetidas a regras de licitação.

Porém, criminalistas ouvidos pela ConJur explicam que a competência para casos envolvendo entidades do Sistema S é da Justiça Estadual. O professor da USP Pierpaolo Cruz Bottini diz que há precedentes dizendo que, quando as verbas das contribuições, ao serem recebidas pela entidade, passam a integrar seu patrimônio, deixando de ser bens da União. “Portanto, se houver irregularidade, a competência é da Justiça Estadual, e não da Justiça Federal.”

Pela jurisprudência, os serviços sociais autônomos são pessoas jurídicas de direito privado e, portanto, os crimes em seu desfavor não seriam de competência da Justiça Federal. Esse entendimento tem origem na Súmula 516 do Supremo Tribunal Federal, editada em dezembro de 1969, com a seguinte redação: “O Serviço Social da Indústria (Sesi) está sujeito à jurisdição da Justiça Estadual.”

Em fevereiro, o ministro do STF Luiz Edson Fachin julgou inviável a tramitação da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 396, ajuizada pela Confederação Nacional do Transporte contra a orientação jurisprudencial que confere à Justiça Estadual a competência para o julgamento de ações penais envolvendo recursos recebidos por entidades integrantes do Sistema S.

Em sua decisão, Fachin afirmou que o objetivo da ADPF era fixar a competência da Justiça Federal com base no artigo 109, inciso IV, da Constituição Federal, que atribui aos juízes federais atribuições para processar e julgar crimes políticos e infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas.

Ocorre que, segundo a jurisprudência do Supremo, a fixação dessa competência deve ser feita caso a caso, porque o conceito de interesse (única abertura que o texto permite para, em tese, expandir a competência) depende de situações individualizadas. Fachin explicou que, nos termos do dispositivo constitucional apontado, cabe à própria Justiça Federal delimitar, inicialmente, o alcance de sua competência e que eventual divergência entre juízes de diversas jurisdições comuns deve ser resolvida pelo Superior Tribunal de Justiça.

“É uma aberração que a Justiça Federal esteja conduzindo o caso. Parece-me que criaram artificialmente algo pra atrair a competência da Justiça Federal e assim ‘legitimar’ a jurisdição federal”, critica o advogado Alberto Zacharias Toron.

Acusação equivocada
Os réus foram acusados de crimes contra a administração pública, como peculato e corrupção. Porém, os dirigentes de Fecomércio, Sesc ou Senac não são funcionários públicos nem podem ser equiparados a eles, afirmam Bottini e Toron.

O criminalista Davi Tangerino entende que os dirigentes dessas entidades podem ser funcionários públicos por equiparação. Contudo, isso não torna o dinheiro automaticamente um bem público, ressalta. E só haverá peculato ou corrupção se o bem integrar patrimônio estatal.

Em 2019, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça aceitou parcialmente o recurso em Habeas Corpus (RHC 111.060) de Lázaro Luiz Gonzaga, ex-presidente da Fecomércio de Minas Gerais para afastar a sua condição de servidor público e, em consequência, trancar a ação penal que tramita contra ele em relação aos crimes de peculato, corrupção passiva e fraude à licitação.

Conforme destacado pelo relator do caso, ministro Joel Ilan Paciornik, a jurisprudência da 5ª Turma, alinhada a decisões do STF, entende que não se aplicam aos dirigentes do Sistema S a Lei de Licitações (Lei 8.666/1993) e o capítulo I do Título XI do Código Penal (o qual tipifica os crimes praticados por funcionários públicos contra a administração em geral).

Em um dos precedentes mencionados (RHC 90.847), a 5ª Turma assinalou que o artigo 327, parágrafo 1º, do Código Penal equipara a servidores públicos quem exerce cargo, emprego ou função em entidades paraestatais, mas estas não integram a administração pública. “Ademais, o produto das contribuições, ao ingressar nos cofres dos serviços sociais autônomos, perde o caráter de recurso público, não havendo se falar em dinheiro público ou particular, mas sim próprio”, disseram os ministros naquele julgamento.

Diario do Centro do Mundo

Disqus Comments Loading...
Share
Published by
Diario do Centro do Mundo

Recent Posts

Fazendeiros invadem acampamento do MST e destroem plantações em Itabela (BA)

Na manhã desta terça-feira (30), fazendeiros utilizaram tratores para destruír as plantações do acampamento Osmar Azevedo,…

31 minutos ago

Em 2019, Leite cortou ou alterou quase 500 pontos do Código Ambiental do RS

O Código Ambiental do Rio Grande do Sul, que levou nove anos em debate, audiências…

35 minutos ago

Saiba por que o RS hoje é o Brasil de amanhã

O Rio Grande do Sul está enfrentando uma série de desafios climáticos que o colocam…

1 hora ago

Deputadas do PT e PSOL foram únicas enviar emendas para prevenção de desastres ao RS

Após três eventos climáticos extremos em 2023 resultarem em 80 mortes e inundações em várias…

2 horas ago

Sabadão do DCM: TSE mantém Bolsonaro inelegível e brocha apoios nos estados

AO VIVO. Leandro Fortes e Pedro Zambarda fazem o giro de notícias. Entrevista com deputado…

2 horas ago

Motorista do Porsche está foragido após ordem de prisão, diz polícia

A polícia está em busca do motorista do Porsche envolvido em um acidente fatal na…

2 horas ago