“Espírito solidário”: Socióloga conta ao DCM por que decidiu ser voluntária no teste da vacina contra covid-19. Por Karol Pinheiro

Atualizado em 16 de novembro de 2020 às 22:17
Geralda e a vacina: ser voluntária é um ato de cidadania, diz

A socióloga Geralda Ávila, de 64 anos, integra um grupo de 60 mil adultos no mundo, dentre os quais sete mil brasileiros, que se ofereceram para participar da fase 3 do estudo clínico da farmacêutica Janssen, do grupo Johnson & Johnson, que testa uma possível candidata à vacina para o coronavírus.

No último dia 9 de novembro, ela esteve no Centro de Referência e Treinamento em DST/ AIDS, um dos centros de pesquisa responsável por realizar os testes da empresa em São Paulo, e recebeu a injeção contendo a vacina experimental ou placebo. O líquido foi administrado em seu braço.

Geralda disse que a decisão de ser voluntária de uma vacina que ainda está sendo testada e em fase de avaliação foi fácil. “Quando vi nos jornais que os testes para as vacinas iriam começar, eu já pensei em me candidatar para alguma”, afirmou.

O Brasil possui outras quatro candidatas a imunizante do coronavírus já aprovados pela Anvisa para realizarem testes em voluntários brasileiros; São eles: a do laboratório AstraZeneca, em parceria com a Universidade de Oxford, a da Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, e a da BioNTech e Wyeth/Pfizer. Segundo a socióloga, a opção por participar do estudo da Johnson & Johnson em específico foi meramente casual.

“Tenho uma amiga que trabalha no centro de referência e me avisou do início dos testes. Não é por que é a vacina da Johnson que eu quis participar. Eu decidi participar porque acho que, se a gente pode ajudar, a gente deve ajudar. Eu não teria problema em ser voluntária de outra vacina, nem da [vacina] chinesa”, afirmou.

Ela disse ainda que sua família reagiu bem a sua candidatura como voluntária no estudo. “Sempre tive esse espirito solidário e cidadão e todos sabem disso”, registrou.

Geralda Ávila é militante da Pastoral Carcerária há mais de 20 anos. Em 2017, criou a Cooperativa Libertas para gerar trabalho e renda por meio da costura a mulheres egressas do sistema penitenciário e que não encontram oportunidades de recomeço. E na adolescência era comum fazer trabalhos voluntários em asilos.

Ao Diário do Centro do Mundo, a socióloga narrou como se deu sua participação como voluntária na pesquisa da Janssen, descrevendo o rigor cientifico que esse tipo de estudo demanda.

O Estudo

Chamada de Ensemble, a candidata à vacina da Johnson & Johnson é um estudo clínico randomizado e duplo-cego, desenhado para avaliar a segurança e eficácia em dose única versus placebo de uma vacina para o coronavírus. Nesse tipo de estudo, nem pesquisadores nem voluntários sabem quem recebe a vacina experimental ou quem recebe placebo.

O primeiro passo, contou Geralda ao DCM, foi garantir que todos os voluntários estivessem saudáveis. “Éramos um grupo de cerca de 30 pessoas naquele dia. Todo mundo passou por uma bateria de exames que incluiu teste de Covid-19 e coleta de sangue, para garantir que estávamos bem de saúde. Só depois recebemos a injeção”, disse.

Para participar do estudo é necessário ter 18 anos ou mais, estar com boa saúde ou com doença crônicas bem controladas e não ter sido infectado anteriormente pelo coronavírus. Geralda tem hipertensão, mas por controlar a doença com uso de remédio e atividade física pode participar do estudo.

Quem participa da pesquisa recebe uma ajuda de custo para despesas relacionadas a transporte e alimentação.

Geralda ficou um total dezesseis horas dentro do Centro de Referência e Treinamento em DST/AIDS. Ali ela também recebeu orientações dos pesquisadores sobre o coronavírus, o tipo de tecnologia usada e os resultados iniciais positivos alcançados nas etapas anteriores (fase 1 e 2) da pesquisa, procedimentos de monitoramento periódico que ela deveria manter em casa e, por fim, o que fazer em caso de algum evento adverso.

Ela descreveu a função que se espera que a vacina experimental desempenhe em seu organismo. “O nome cientifico é Ad26.COV2.S e há apenas uma pequena parcela de coronavírus nela. Eles [os pesquisadores] disseram que a ideia é que com a injeção meu organismo produza anticorpos contra o coronavírus”, explicou.

A candidata à imunizante da Janssen é composta de um adenovírus tipo 26 (o vírus do resfriado comum) geneticamente modificado para não se replicar e causar doença, que atua como vetor para codificar a proteína spike do coronavírus (SARS-COV-2), responsável pela entrada do vírus nas células humanas, gerando resposta imunológica.

Segundo nota no site da farmacêutica, os resultados iniciais das fases anteriores do estudo, chamadas de 1 e 2, “demonstram que uma única dose da vacina induziu uma forte resposta de anticorpos neutralizantes em quase todos os participantes com 18 anos ou mais e foi bem tolerada”. A Jassen afirma ainda que “respostas imunes foram semelhantes em todos os grupos etários estudados, incluindo os adultos mais velhos”.

Foi com base nesses resultados, que a companhia deu andamento ao estudo global de fase 3 que inclui a participação de voluntários na África do Sul, Estados Unidos, México, Chile, Colômbia, Peru, Argentina e Brasil.

Monitoramento

Pelos próximos dois anos e um mês Geralda Ávila será acompanhada e monitorada pelos pesquisadores do Centro de Referência e Treinamento em DST/ AIDS. Ela precisará fazer visitas periódicas ao centro de estudos localizado no bairro da Vila Mariana, em São Paulo, para passar por testes e avaliações.

Além disso, duas vezes por semana precisará preencher um questionário eletrônico, via aplicativo instalado em seu celular, sobre como está se sentindo e se manifestou qualquer sintoma adverso. Ela também recebeu equipamentos para fazer a autoaferição de sinais vitais (temperatura, pressão arterial, frequência cardíaca e respiratória, saturação de oxigênio e temperatura) e registrar todos os níveis no aplicativo.

Segundo informações do site oficial de recrutamento de voluntários no Brasil da Janssen (br.ensemblestudy.com), não há como Geralda ou qualquer outro voluntário contrair Covid-19 a partir da injeção experimental ou placebo, porém ela e os demais seguem inevitavelmente expostos a possibilidade de serem infectados pelo coronavírus, já que a pandemia persiste no Brasil.

O país ultrapassou a marca de 162 mil óbitos registrados e de 5 milhões de pessoas diagnosticadas com a doença, segundo levantamento do consórcio de veículos de imprensa.

“Vou seguir com os cuidados – lavar as mãos, usar álcool em gel e máscara. Eles [a equipe de pesquisadores] nos encorajam a continuar tomando essas medidas para evitar a contaminação”, ressaltou.

Caso necessite de assistência médica por evento adverso relacionado ao estudo e a vacina experimental ou placebo, Geralda receberá atendimento sem nenhum custo.

Entrevistada pelo DCM na última quarta-feira (11) à tarde, dois dias depois de receber a injeção de vacina experimental ou placebo, Geralda disse estar se sentindo bem. “Minha vida segue normal por aqui. Não percebi nenhuma sensação diferente ou sintoma de alguma coisa”, afirmou.