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Ser aluno na Maré: educação marcada por violência e dias perdidos

Da bbc:

Os gêmeos Samir e Samira têm apenas 11 anos mas já sabem com clareza o que gostariam de ser no futuro. Samira quer ser dentista; Samir adora bichos e sonha em ser veterinário.

Mas para chegar lá, os irmãos terão um caminho difícil imposto pelo contexto em que crescem. A violência e pobreza que os circundam nas favelas do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, têm impacto direto sobre sua educação.

Neste ano, os gêmeos perderam vários dias de aula devido a tiroteios ou conflitos iminentes nas favelas da Maré, margeadas pela Linha Vermelha, a via expressa que conecta o aeroporto internacional do Rio ao Centro e aos bairros mais abastados da zona sul carioca.

Eles estão longe de serem os únicos a terem o ensino comprometido pelo contexto de violência em áreas conflagradas do Rio.

Segundo a Secretaria Municipal de Educação, 129 mil estudantes da rede municipal tiveram aulas canceladas pelo menos uma vez entre janeiro e outubro passados devido à violência que circunda suas escolas.

Essa situação afetou 310 das 1.463 escolas da rede municipal carioca, quase 20%.

“Às vezes não tem aula porque dá tiroteio. Aí gente fica sem estudar. Às vezes fica dois dias, três dias… A gente tem que ficar em casa, vai fazer o quê? Não pode sair na rua”, diz Samir dando de ombros com naturalidade, na pequena casa que divide com a mãe, a avó e as duas irmãs.

Os dias com aulas canceladas ou interrompidas viram tempo ocioso em casa, sem poder sair na rua para brincar. Os gêmeos também já ficaram presos na escola, sem poder sair devido a tiroteios nos arredores.

“Aqui onde a gente mora não tem segurança, e quando entra a polícia dá tiroteio”, explica Samira. “Em todo lugar que a gente passa tem gente com arma.” O Complexo da Maré foi ocupado em março do ano passado por forças de segurança do Rio como parte do programa de pacificação do governo estadual, às vésperas da Copa do Mundo.

Depois da operação, a área passou um ano ocupada por homens das Forças Armadas. As tropas começaram a ser retiradas do conjunto de favelas em abril deste ano, mas o processo de pacificação permanece inconcluso e o governo do estado não considera que as comunidades da Maré – onde vivem cerca de 140 mil pessoas – estejam pacificadas.  A presença do tráfico de drogas ainda é ostensiva no complexo.

Na visita para encontrar os gêmeos, a reportagem da BBC Brasil se deparou com jovens vendendo drogas a céu aberto em uma barraca ao lado de estandes de frutas e legumes na rua principal de comércio na comunidade Nova Holanda. Era o início da tarde, e jovens armados faziam vigília em uma esquina a três quarteirões da entrada de fundos do 22º Batalhão de Polícia Militar. Por questões de segurança, foi impossível fazer qualquer filmagem nas ruas.

A mãe dos gêmeos, Sirlene da Silva, de 46 anos, diz que o processo de pacificação aumentou a tensão na área, tornando os confrontos ainda mais frequentes.

“Vivemos no fogo cruzado. Tem violência dos bandidos e violência dos policiais”, diz.

“Quando a polícia chega, eles atiram para depois perguntar. Quando tem tiroteio, as crianças não têm aula, os professores não conseguem chegar à escola e a gente não consegue sair para trabalhar.”

Sirlene trabalha na ONG Redes da Maré e sustenta a família com um salário mínimo por mês. Não tem recursos para colocar os filhos em uma escola particular.

 

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