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Advogadas divulgam manifesto em apoio à jornalista do Intercept censurada pela Justiça

Advogadas divulgam manifesto em apoio à jornalista do Intercept censurada pela Justiça. Foto: Reprodução

Do coletivo Advogadas e Advogados pela Democracia no Facebook:

MANIFESTO DE SOLIDARIEDADE À JORNALISTA SCHIRLEI ALVES E REPÚDIO A ATO DE DITADURA JUDICIÁRIA.

A notícia de que a juíza substituta da 3ª Vara Cível da Comarca de Florianópolis, Cleni Serly Rauen Vieira, ordenou ao The Intercept Brasil que editasse a reportagem da jornalista Schirlei Alves com o vídeo da audiência onde Mari Ferrer foi humilhada pelo advogado de seu imputado agressor sexual, é matéria que traz imensa apreensão quanto ao que ainda nos resta de democracia no Brasil.

Em se tratando de ação judicial movida contra aquele veículo por Rudson Marcos e Thiago Carrico de Oliveira, respectivamente juiz e promotor do caso, na qual, segundo noticiado, o primeiro pede 450 e o segundo 300 mil reais por danos morais em face da jornalista e de dois veículos que publicaram a matéria, a juíza do caso concedeu liminar determinando a edição do texto da matéria, sob pena de multa diária a todos os réus.

A ordem de edição do texto jornalístico é o que nos estarrece e merece imediato repúdio de todos que prezam pela democracia.

“A liberdade de expressão é a maior expressão da liberdade”, afirmou o então ministro Ayres Brito na XXI Conferência Nacional dos Advogados do Brasil, que aconteceu em Curitiba, no ano de 2011, para justificar a posição do STF de que não se pode legislar sobre imprensa no Brasil.

E, na mesma Conferência de Advogados, Ayres Brito disse mais:

“A Imprensa está a serviço da democracia porque ela vitaliza os muitos modos concernentes à democracia; é por isso que a imprensa mantém com a democracia uma relação de unha e carne, de olho e pálpebra, digamos assim, uma relação umbilical”.

“Se cortarem esse cordão umbilical que prende a democracia à imprensa, as duas resultam mortas. Mata-se, a democracia e a imprensa com esse corte do cordão umbilical”.

“A imprensa vitaliza a Constituição de muitos modos, a partir do nome que a Constituição deu a essa atividade, as relações de imprensa objetivamente consideradas, e os aparelhos de imprensa: o título é ‘Da Comunicação Social’; a imprensa é evidentemente de informação, para viabilizar a comunicação social”.

No caso em questão, portanto, espera-se que a decisão da juíza de piso seja reformada imediatamente, sob pena de se tutelar a existência de atos de ditadura judiciária no Brasil.

Para além da sensível questão, que diz com violação que abala os pilares fundamentais da República Brasileira, percebe-se que o caso deriva de uma sucessão de atos de violência contra as mulheres.

Não há decisão judicial no mundo que vá apagar das nossas mentes a cena daquela malfadada audiência criminal realizada em Santa Catarina, na qual uma mulher, que, diante de um homem poderoso, ousara denunciar a violência sexual sofrida, foi novamente agredida, pelo advogado do imputado, com o silêncio do promotor e a autorização tácita do juiz, que hoje incluem a jornalista Schirlei Alves como ré, num processo que nitidamente pretende intimidá-la e até fazer calar o seu ofício.

A acusação é de que a matéria causou “verdadeira desinformação no país e revolta da população contra o Autor e o Poder Judiciário”.

Com o devido respeito, aos senhores juiz Rudson Marcos e promotor Thiago Carrico de Oliveira, a brilhante matéria da jornalista Schirlei Alves bem informou e trouxe imprescindível e relevante discussão à sociedade sobre violência institucional. Violência essa, que, no vídeo, fica evidente ter sido praticada em audiência, com o consentimento dos senhores, que tinham o poder-dever de coibi-la, mas não o fizeram.

E, ainda com todo o respeito, o que, de fato, causa revolta da população contra determinados juízes e setores do Poder Judiciário, é a negativa de jurisdição e o reiterado comportamento machista, misógino e desrespeitoso para com jurisdicionadas que têm buscado a prestação judicial e encontrado, muitas vezes, com horror e espanto, o próprio agressor vestido de juiz ou ocupando, ali, bem ao ladinho da poltrona do juiz, a cadeira de promotor de justiça.

Por tais razões, esperamos que a população reaja, com urgência, diante de violações cometidas contra as mulheres, por quem tem o dever legal de protegê-las.

Não à prática de atos de censura por juízes que se pretendem deuses intocáveis!

Pela derrubada imediata da edição determinada no texto jornalístico pela juíza Cleni Serly Rauen Vieira!

BASTA de violência institucional contra as mulheres!

Solidariedade irrestrita a Mari Ferrer!

Solidariedade irrestrita à jornalista Schirlei Alves, com agradecimentos por sua esclarecedora matéria jornalística sobre o caso Mari Ferrer!

Machistas e misóginos institucionais não passarão!

Brasil, 24 de dezembro de 2020.
Coletivo Advogadas e Advogados pela Democracia

Obs.: verificamos que os autos das ações sob nº 50800086320208240023 e 5080469-35.2020.8.24.0023 da 3ª Vara Cível de Florianópolis/SC, movidas, respectivamente, pelo juiz e o promotor, estão em segredo de justiça e o quanto consta do presente manifesto, foi fundamentado em matérias jornalísticas sobre o caso, em: https://theintercept.com/2020/12/20/juiza-determinou-edicao-reportagem-mariana-ferrer/?fbclid=IwAR0DEAIFjYMK6IvBEwI9C1otmMEzfKVduFXhPnx5_3Ua8yGNS-JDizcufbM e https://rsf.org/pt/noticia/brasil-acoes-na-justica-buscam-retaliar-jornalistas-que-reportaram-abusos-em-audiencia-sobre-caso-de?fbclid=IwAR1RvcDlccSABP5cbWxtEbs8WBZfr43bT4I2_4masf9qZbJfEkv46as_Zmk