Engodo, embuste e prática fascista: Estadão define Bolsonaro como político da pior espécie

Do editorial do Estadão:
Na vida política, as mentiras costumam ser mais plausíveis do que a realidade, uma vez que o mentiroso tem a vantagem de saber de antemão o que a plateia deseja. Ele prepara sua história para consumo público, de modo a torná-la crível. Com isso, a verdade tende a desaparecer da vida pública, corroendo a estabilidade democrática. Esta é a conclusão de um dos ensaios mais discutidos no final da década de 1960, sobre o uso da mentira na política. De autoria da filósofa alemã Hannah Arendt e incluído no seu livro Crises da República, o ensaio discute o embuste e a falsidade deliberada como meios que determinados políticos utilizam para alcançar fins imorais e torpes.
Também analisa as estratégias de vazamento de informações e a construção de narrativas que permitam interpretação deturpada dos fatos antes mesmo de eles acontecerem. “A veracidade nunca esteve entre as virtudes políticas. A capacidade de mentir e a capacidade de agir devem sua existência à mesma fonte: imaginação”, diz Arendt. Escritas há cinco décadas, essas palavras são de uma atualidade preocupante quando relidas à luz do que disse o presidente Jair Bolsonaro na quinta e na sexta-feira passadas, sobre os atos convocados por diferentes órgãos da sociedade civil para protestar contra as manifestações semanais de bolsonaristas em favor de uma ditadura militar por ele chefiada. Nas lives de que participou e nos discursos que fez nesses dois dias, Bolsonaro comportou-se como se o ensaio de Hannah Arendt tivesse sido escrito com base em suas falas.
Procurando associar à violência os atos de protesto contra seu governo, o presidente deixou claro que os atos de domingo não serão travados entre adversários políticos, mas entre inimigos – entre “o pessoal de verde e amarelo, que é patriota”, e “idiotas, marginais, viciados e terroristas”. Segundo Bolsonaro, “este pessoal tem costumes que não condizem com a maioria da sociedade brasileira”.
Além de desqualificar opositores no plano moral, que é uma conhecida prática fascista, Bolsonaro os acusou de serem inimigos da liberdade. “Mais importante que a sua vida é a sua liberdade. Esse pessoal não tem nada para oferecer para você. Se você pegar cem desse aí (sic), a maioria é estudante. Se você pegar e aplicar a prova do Enem neles, ninguém tira nota 5. São idiotas que não servem para nada”, afirmou.(…) Em seu ensaio sobre a mentira na política, Hannah Arendt lembra que o engodo e o embuste costumam ser eficientes apenas quando o mentiroso tem ideia clara da verdade do que tenta esconder. Bolsonaro sabe o que quer. Mas em momento algum consegue esconder seus anseios ignominiosos.
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