Boulos: “tentar calar opiniões e oposições, impondo uma agenda de medo, não é um caminho aceitável”
Guilherme Boulos escreveu um artigo para a Folha de S.Paulo chamado “Liberdades democráticas em risco“. “Jair Bolsonaro teve a maioria dos votos e foi eleito presidente da República, o que não significa um cheque em branco do povo brasileiro a um pensamento único sem espaço para a oposição de ideias. O sufrágio se dá nas urnas, mas a democracia é prática cotidiana e pressupõe respeito a quem pensa diferente e, sobretudo, às liberdades constitucionais. As declarações do presidente eleito, no entanto, são preocupantes: denúncias jornalísticas tornam-se ‘fake news’, movimentos sociais viram ‘organizações terroristas’, e manifestações populares são tachadas como ‘ataques à democracia'”.
O líder social desenvolve o raciocínio: “a uma semana das eleições, o ainda candidato do PSL falou a seus seguidores que os ‘marginais vermelhos serão banidos da nossa pátria’. Em entrevista ao Jornal Nacional, já depois de eleito, tentou moderar o tom, mas reafirmou a ideia, apontando as cúpulas do PT e do PSOL como alvos de sua perseguição. Citou-me nominalmente por ter, segundo ele, ‘ameaçado invadir’ sua casa. Não é verdade. Valeu-se de uma ironia que fiz em uma manifestação e que todos que lá estavam ou assistiram assim notaram. Bolsonaro sabe disso, mas preferiu usar o caso para legitimar seu discurso de intolerância”.
Boulos atribui um motivo para esses procedimentos: “eles têm pressa. Esses 45 dias de transição já começaram a ser utilizados para aprovação de uma agenda de retrocessos em direitos sociais e liberdades democráticas”.
E finaliza: “os ataques a movimentos sociais têm tomado como alvos principais o MTST e o MST. Parecem desconhecer o fato de que estes não existem por vontades de lideranças, mas pela histórica negação dos direitos à moradia e à terra. Temos uma das estruturas agrárias mais concentradas do mundo e mais de 6 milhões de famílias sem acesso a moradia digna. Além disso, é uma invenção absurda que o MTST ‘invade a casa das pessoas’. Há, sim, uma enorme quantidade de imóveis abandonados, grilados ou com dívidas impagáveis, que descumprem tanto a Constituição quanto o Estatuto das Cidades e que só não foram desapropriados para habitação social porque a lei frequentemente falha quando se trata de enfrentar grandes interesses econômicos. São esses imóveis que os movimentos de moradia ocupam. Tratar essas organizações como ‘terrorismo’ é um atentado à democracia (…). Cabe aos movimentos sociais seguir lutando por direitos. Cabe à imprensa manter um trabalho independente e crítico, sem censuras ou ameaças. E, finalmente, cabe aos demais Poderes da República –Congresso e, em especial, o Supremo Tribunal Federal– saber frear excessos do Executivo, preservando o respeito à diversidade, a democracia e condenando qualquer tipo de perseguição política”.
