Reportagem de Danilo Thomaz na revista Época.
Na manhã do sábado 7 de julho, o Direita São Paulo aguardava por uma visita ilustre para o encontro semanal em sua sede, na Rua Vergueiro, na capital paulista. Baixo, magro, de cabelos brancos repartidos ao meio e barba, José Anselmo dos Santos, o Cabo Anselmo, o mais famoso agente duplo da ditadura civil-militar, desceu o lance de escadas que dava acesso ao subsolo do prédio. Cruzou a porta vermelha sem atentar para a ironia. Vestia camisa xadrez — azul, vermelha e amarela —, calça clara e sapatos escuros. Colocou-se próximo à mesa de café, do lado direito da porta. Respondeu a uma mensagem de WhatsApp com um áudio: “É no porão. No porão do Dops”, disse a um acompanhante que não sabia onde seria a palestra dentro do prédio. A ironia tirou risos da plateia — que chegaria a 31 pessoas até o fim da sessão, sendo cinco mulheres, oito negros e um gay.
“Muitas carinhas novas”, segundo Rose Limeira, coordenadora do movimento. Quase todas jovens. A exceção era o professor Antonio, de história e geografia. Alto, cabelos brancos, gordo e falastrão, de camisa e calça sociais, o professor ironizou a derrota do Brasil para a Bélgica na tarde anterior. “Como dizia a Dilma: o Brasil perdeu porque não ganhou.” A piada seria repetida outras três vezes até o início da palestra. Apresentou-se formalmente ao Cabo Anselmo, encostado numa pilastra, e engatou o papo. “O Brasil perdeu o rumo com a instalação do golpe de Estado em 15 de novembro de 1889”, disse. “O Brasil era uma potência mundial”, completou. “Com a monarquia, era”, disse Cabo Anselmo. Um garoto magro de óculos, jaqueta jeans e boina preta, sentado na primeira fileira, diante dos dois, concordou.
Hora da aula.
O tema do encontro ilustrava uma página de Powerpoint com um design tosco. “DIREITA SP / Origens da Lavagem Cerebral / Ferramentas do Controle Mental”, em três linhas separadas. Cabo Anselmo colocou-se ao lado do banner do Direita São Paulo e diante da plateia, disposta em carteiras estofadas. “Quem é que tem alguma curiosidade para saber quem é o velho que está diante de vocês?”
Apesar de os anos da ditadura militar serem um dos temas dos encontros de formação cultural do Direita São Paulo, o palestrante, como previa, era desconhecido de boa parte do público. Sua oportunidade para se apresentar como bem entendesse.
Órfão de pai, ingressou na Escola de Aprendizes Marinheiros em 1958. Cinco anos depois, fez o curso de formação profissional. Trabalhou em convés de navio. Por intermédio de um amigo, segundo contou, ingressou na Associação de Marinheiros e Fuzileiros Navais, que pleiteava direitos e garantias à classe. A conversão do coletivo em uma entidade parassindical — com influência do PCB — levou 12 colegas à prisão.
Em resposta às prisões, um grupo de sargentos, cabos e marujos ocupou a sede do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, de onde sairiam cinco dias depois. O líder era o marinheiro de primeira classe que viria a ser conhecido como Cabo Anselmo, apesar de nunca ter chegado a cabo.
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