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Cardiologista explica como atendimento imediato salvou Eriksen da morte

O camisa 10 da seleção dinamarquesa, Eriksen. Foto: Getty Images

O cardiologista José Alencar utilizou as redes sociais neste domingo (13) para explicar como o atendimento imediato salvou a vida do jogador dinamarquês Christian Eriksen.

No Twitter, Alencar escreveu:

O jogador dinamarquês Christian Eriksen não teve uma convulsão. O que ocorreu foi uma morte súbita. E, devido ao rápido atendimento, essa morte súbita foi “abortada”.

Morte súbita é aquela inesperada, que ocorre até 1 hora após o início dos sintomas (no caso de Eriksen, foi instantâneo). 13% das pessoas morrem subitamente. 50% das pessoas que morrem do coração morrem subitamente. No esporte, ocorre 0,5-2,1 morte súbita por 100 mil pessoas/ano.

O coração de uma pessoa só pode parar de bater em 4 ritmos cardíacos: – Fibrilação ventricular e taquicardia ventricular sem pulso – Atividade elétrica sem pulso e assistolia. As duas primeiras são ritmos “chocáveis”, ou seja, respondem à desfibrilação.

Foi um estudo seminal de 1989 do Antoni Bayés de Luna que demonstrou, no American Heart Journal, que 84% das mortes súbitas ocorrem em ritmos chocáveis. Daí a importância do uso de desfibriladores externos automáticos (DEAs). Sem o DEA, os ritmos chocáveis são usualmente fatais.

Quanto mais rápido uma pessoa em morte súbita por ritmo chocável recebe a desfibrilação, melhores as suas chances. A cada minuto sem desfibrilação, a chance de sobreviver cai 10%! É a maior emergência de toda a Medicina.

Atualmente, a taxa de sobrevivência de um episódio de morte súbita é de 7,6% em países desenvolvidos. Em locais onde há DEA e há treinamento em massa da população para oferecer suporte básico de vida (compressões de qualidade e manuseio correto do DEA), a chance é maior.

A fibrilação ventricular é, literalmente, um tremor do músculo cardíaco – ele não bate, ele treme. E isso não gera pulso cardíaco. Sem pulso, uma pessoa morre. Sem pulso ao cérebro, pode até haver convulsões. (Por isso alguns jornais estão noticiando erroneamente “convulsão”).

Na verdade, nesse elegante estudo, foram vistos que 4,3% dos episódios de morte súbita reportados ao 9-1-1 foram chamados de “convulsão” pelas pessoas que telefonaram.

A principal causa de morte súbita é o temido infarto (o que chamam de “infarto fulminante”). Antes dos 35 anos, contudo, essa causa ainda é frequente, mas começa a perder espaço para outras doenças cardíacas: cardiomiopatia hipertrófica, displasia do VD, entre outras.

Para reduzir o risco de morte súbita, muito já foi feito, mas ainda há muito a se fazer. Esse gráfico demonstra o “paradoxo da morte súbita”. Perceba que quem tem menor chance de morrer de morte súbita é justamente quem mais frequentemente morre em números absolutos.

Atletas projetam a imagem de saúde e por isso esses eventos chocam, mas o risco individual é baixo. Neles, a adaptação natural do coração ao exercício intenso e a atuação do sistema nervoso autônomo podem acelerar ou engatilhar canalopatias ou doenças cardíacas “escondidas”.

A primeira morte súbita em atletas de que se tem notícia é a de Feidípedes em 490 a.C. Apesar de quase universalmente aceito, o screening pré-participação esportiva com ECG e outros exames é controverso – gera muitos falsos positivos e, em Israel, não reduziu chance de morte.

Sobreviventes de morte súbita devem ser transferidos imediatamente para um hospital cardiológico. Lá, pode ser necessária a realização de um cateterismo. A busca por essas doenças escondidas pode até envolver estudos genéticos.

Sobreviventes de morte súbita abortada por ritmos chocáveis devem ter o implante de um CDI indicado. CDI é um cardiodesfibrilador móvel que implantamos no paciente. O aparelho detecta arritmias e entrega um choque sempre que necessário.

A causa que levou à arritmia também deve ser diagnosticada e tratada (infarto deve receber stent, por exemplo). Se for descoberta uma cardiomiopatia ou canalopatia (doença dos canais iônicos do coração) genética, os familiares devem ser rastreados.

Em resumo, em casos de morte súbita: – O paciente deve ser desfibrilado rapidamente (cada minuto sem desfibrilar reduz em 10% sua chance) – Deve receber compressões eficazes por pessoas treinadas também rapidamente – Deve ir a um cardiologista. – Pode ter que receber um CDI.