Chega ao Brasil uma biografia romanceada de Benito Mussolini, criador do fascismo

De Paulo Nogueira, autor do livro O Amor é um Lugar Comum, no Estado de S.Paulo.
Nos últimos tempos, com a voltagem ideológica cada vez mais incandescente, termos como “fascismo” ou “fascista” degeneraram em desaforos ocos como canoas. Pelo andar da carruagem, daqui a pouco corresponderão a insultos como “bobagem” e “bobinho”, tal sua flacidez semântica. Ainda bem que um novo romance italiano ajuda a repor os pingos nos is, e a lembrar que conceitos não se reduzem a impropérios: precisam de fundamento lógico. Por incrível que pareça, “fascista” não é apenas quem discorda de nós. A etimologia dá uma mãozinha: “fascismo” deriva do latim “fasces”, um feixe de varas atadas em redor de um machado, símbolo do poder na Roma Antiga. Mussolini reciclou-o para realçar que “a união faz a força”: uma única haste é facilmente quebrada, enquanto o feixe é difícil de partir.
Até aí tudo bem, mas já em 1944 George Orwell resmungava que “a palavra ‘fascismo’ se tornara quase inteiramente sem sentido”. Hoje, então, o termo é tão versátil quanto “coisa”. Donald Trump, por exemplo, apesar do seu fundamentalismo econômico ultraliberal, não passa de um “fascistão”. E temos o “islamofascismo”. Outro dia, como o governo dos Países Baixos não permitiu que dois ministros turcos fizessem campanha em território holandês em favor do aumento dos poderes de Recep Erdogan, e o presidente da Turquia vociferou que o regime de Amsterdã é… fascista. Estamos em pleno reduto da “lei de Godwin” (do advogado americano Mike Godwin): “À medida que uma discussão online se prolonga, a probabilidade de surgir uma comparação com Hitler se aproxima dos 100 por cento.” Qualquer pessoa que já pôs os pezinhos em rede social está careca de saber disso.
Como o argumento “ad Hitlerum” é uma falência conceitual, e não identificar corretamente o adversário significa meio caminho andado para cair do cavalo, convém recordar que o fascismo tem características específicas. Um bom guia (entre outros) é Michael Mann, em Fascists, que sintetiza: “É a busca de um estatismo nacionalista transcendente e purificador, através do paramilitarismo, do partido único, do culto da personalidade e de um movimento de massas multiclasses”. Ora, nem todos os regimes autoritários são de direita, e nem todos os regimes autoritários de direita são fascistas. Devagar com o andor. Embora Jurgen Habermas tenha falado num “fascismo de esquerda”, e durante a ruptura sino-soviética Moscou e Pequim se acusassem mutuamente de “fascistas”, só no limite – quando o Estado se entranha em todos os poros do cotidiano – podemos ter um totalitarismo de esquerda (comunismo) e outro de direita (nazismo).
M, O Filho do Século, romance do italiano Antonio Scurati, talvez venha a pôr ordem na casa – ou a bagunçar de vez o coreto. É um projeto literário ciclópico: uma trilogia sobre Benito Mussolini, do qual só o primeiro volume, agora lançado, tem 812 páginas. Na Itália, o livro vendeu que nem picolé na praia e ganhou o prêmio nacional mais prestigioso, o Strega. Vai virar série de TV da Wildside, que produziu para a HBO a versão televisiva de A Amiga Genial, de Elena Ferrante. Na recente Feira do Livro de Frankfurt, editores do mundo inteiro se estapeavam pelos respectivos direitos autorais.
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