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Chomsky: “Moro estava envolvido em esforços corruptos para tentar garantir a prisão de Lula”

Noam Chomsky. Foto: Wikimedia Commons

Os jornalistas Aldo Sauda, Cauê Ameni, Guilherme Ziggy e Hugo Albuquerque entrevistaram Noam Chomsky, maior intelectual de esquerda nos Estados Unidos, na Jacobin Brasil.

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JB: Na disputa das últimas eleições entre Haddad e Bolsonaro, testemunhamos novas formas políticas para fabricação de consensos, sobretudo pela maneira como as redes sociais, Whatsapp em destaque, intervieram no processo. Como isso pode ser comparado com o modelo do século passado, com a imprensa de massas, que você analisou tão profundamente em seu livro “Consenso Fabricado” publicado em 1988?

NC: Com relação à imprensa de massas, acho que a situação segue similar à forma que descrevi. Na verdade, eu e meu colaborador Edward S. Herman, falecido recentemente, fizemos uma atualização do livro depois que a internet se tornou um fenômeno mais presente. No entanto, decidimos não publicá-lo, porque a situação da imprensa não mudou tanto. 

Já o novo fenômeno das redes sociais mudou muito a situação. O Brasil é um exemplo dramático da força extraordinária das redes sociais. Por meio delas, a campanha para demonizar a oposição política com enormes mentiras e distorções foi muito exitosa, sobretudo porque elas eram para muitos brasileiros sua única fonte de informação. 

A grande imprensa, que já é bem de direita, foi atropelada pelas redes sociais para além do campo do imaginável, com a difusão em massa de todos os tipos de mentiras horrorosas sobre o que, supostamente, ocorreria caso o PT fosse eleito. Esse foi um dos fatores que interferiram na eleição. Mas, o principal fator foi silenciar a oposição política. Antonio Gramsci teria algo a dizer sobre isso. 

Não sei se Bolsonaro tem consciência suficiente do mundo para saber quem ou o que ele imita. A exemplo de Bolsonaro, Benito Mussolini reconheceu que Gramsci precisava ser silenciado: quando Gramsci foi preso, o representante do Ministério Público italiano disse “precisamos silenciar esse homem pelos próximos vinte anos, porque sua voz é muito perigosa para ser escutada”. 

É exatamente isso que o golpe de direita fez no Brasil. No último verão, ficou claro que se Lula pudesse aparecer publicamente, ele ganharia as eleições. Então, era preciso fazer algo contra ele, colocá-lo em confinamento solitário, impedi-lo de fazer qualquer comunicação. Depois veio a campanha das redes sociais, grotesca, e é uma tendência que vai acontecer cada vez mais no mundo.

Na verdade, algo similar também aconteceu nos Estados Unidos em 2016, mas não de uma forma tão extrema. A Cambridge Analytica, uma empresa de direita  que faz mineração de dados, trabalhou em conjunto com o Facebook, que lhes deu informações detalhadas de hábitos da população americana. Diante disso, o eleitorado se tornou um alvo cirúrgico por meio de anúncios específicos voltados às pessoas em uma escala relativamente grande. 

Também vimos algo parecido na Alemanha em 2017, na última eleição, onde o partido da extrema-direita AfD (Alternative Für Deutschland — Alternativa pela Alemanha, na sigla em alemão) foi muito melhor do que se imaginava. Um dos fatores por trás desse fenômeno, que não foi comentado pela imprensa, é o papel de uma empresa localizada no Texas que trabalha para Trump, Netanyahu e Le Pen. 

Essa corporação texana se juntou com a imprensa de Berlim, com o escritório do Facebook — que tem obviamente informações sobre as atitudes, interesses e preocupações das pessoas em todo a Alemanha — e fizeram a mesma coisa: direcionar anúncios e mensagens para as pessoas certas, escolhidas pelo algoritmo.

Curioso que isso foi comentado na imprensa financeira alemã, mas não foi na imprensa cotidiana, que se manteve silenciosa sobre o caso. Esse é o tipo de fenômeno que veremos cada vez mais, embora o Brasil seja o caso extremo por conta da grande dependência da população com mídias sociais como Whatsapp. 

Essa técnica facilitou a campanha de demonização e vilanização da esquerda, depois que conseguiram silenciar a voz da oposição, e eu não preciso explicar para vocês da natureza totalmente fraudulenta da derrubada da Dilma e, também, da campanha da direita para reverter as conquistas do governo Lula. 

JB: Os vazamentos do The Intercept Brasil mostram como o judiciário brasileiro não seguiu as regras das democracias modernas onde há uma clara divisão de poderes? E o que dizer da cooperação entre o judiciário brasileiro e os Departamentos de Justiça dos Estados Unidos e Suíça?

NC: As revelações de Glenn Greenwald deixaram absolutamente claro que o juiz Moro era tudo menos um herói, ao contrário do que foi apresentado pela imprensa. Moro estava envolvido em esforços corruptos para tentar garantir a prisão de Lula. Tornou-se pública a informação de que o próprio Ministério Público não tinha provas suficientes para uma acusação e o Moro os incentivou a fazer, mesmo assim, uma denúncia para se livrar daquela figura perigosa e o golpe da direita pudesse se concretizar.

Quanto mais a corrupção de Moro é exposta, mais ele lança ataques para poder suprimi-la, mostrando o quão corrupto ele é — e fica mais claro o profundo ataque a democracia brasileira.

Em relação à cooperação internacional, nós podemos apenas especular, mas claramente ocorreram contatos com o Departamento de Justiça  dos Estados Unidos. O que eles fizeram exatamente, não tenho informações precisas, mas algo parecido ocorreu com outros países. 

É difícil dizer, pelo menos nos Estados Unidos, durante o governo Trump, que apoiou intensamente esses esforços, quais foram as forças diretas que eles empregaram, mas as revelações em si são dramáticas. 

Outra coisa que me chamou a atenção foram as revelações de que Moro, cuidadosamente, deixou de fora das investigações do governo FHC. Isso é importante porque provavelmente o pior crime de Bolsonaro, que é a destruição da Amazônia, tem precedente no governo FHC, onde o desmatamento cresceu em uma velocidade incrível, talvez a maior de todas — e no governo FHC, lembremos, havia muita corrupção. 

A insistência de evitar que FHC fosse investigado, enquanto fabricava acusações contra Lula, é uma coisa muito grave. Por isso, segundo qualquer parâmetro, Lula é um preso político, o principal preso político do mundo.

JB: E você visitou Lula em Curitiba recentemente?

NC: Um pouco antes das eleições, junto com a minha esposa Valéria, que é brasileira. Lula estava muito otimista naquela ocasião. Ele achava que apesar de ter sido silenciado, havia uma grande chance do PT ganhar, isso antes dessa campanha massacrante nas redes sociais. Eu fui informado hoje, 07 de agosto, e provavelmente vocês saibam disso melhor do que eu, que Lula pode ser transferido para uma prisão comum no interior de São Paulo.  

Isso é mais um esforço para calar sua voz, mais uma voz calada por vinte anos. Até a segurança de Lula está em risco pelo que está acontecendo. Por essa razão, eu acho que comparar Bolsonaro a Mussolini não é exagerado. Isso resgata uma frase de Marx a respeito de uma observação de Hegel: uma vez como tragédia, depois como farsa.  

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