Ciro: Lula “racha o país em bases rancorosas, odientas” e Moro “é um garoto”

Ciro Gomes deu entrevista à BBC Brasil:

BBC Brasil: Mas lhe falta identidade partidária?

Ciro Gomes: Falta a todos os políticos brasileiros, a 100% deles.

BBC Brasil: Ao Lula também, por exemplo?

Ciro Gomes: Absolutamente. Olhe o que o Lula dizia, o que pensava e o que o PT representava antes do poder e o que é hoje. Veja a enorme distância entre uma coisa e outra. Veja o que o PSDB representava, quando nós fundamos o PSDB, e veja o que é hoje. Só mudo de partido para me manter coerente com minha linha de raciocínio, princípios, minha integridade moral e com meus compromissos ideológicos.

Veja como os critérios são diferentes. Pergunto qual político, tirando aqueles que não fizeram seu próprio partido como o Lula, que fez sua própria central sindical, qual o político brasileiro não mudou de partido nos últimos 20 anos? Nenhum. A Marina esteve em três partidos nos últimos três anos.

BBC Brasil: O senhor já passou por 7 partidos. Sete é muito.

Ciro Gomes: Mas eu tenho 37 anos de vida pública.

BBC Brasil: Vamos dividir 37 por 7…

Ciro Gomes: Não é essa a questão não. Já fui incoerente alguma vez na vida? Veja uma opinião minha dita há 25 anos e compara com hoje.

BBC Brasil: Falando em incoerência. Numa entrevista, em maio do ano passado, na qual lhe perguntaram se queria ser candidato e se o senhor concorreria contra o Lula, o senhor disse que se o ‘Lula for, melhor ainda’. Em entrevistas mais recentes, percebi que o senhor tem adotado uma outra posição. O senhor mudou de ideia do ano passado pra cá?

Ciro Gomes: Não. Se você reparar, é a mesma. Os fatos são complexos. Enquanto isso, uma certa imprensa nacional brasileira gosta muito de resumo e explicitações maniqueístas. Às vezes pago um pouco por isso. Não faz mal, estou acostumado. Eu só dependo de uma circunstância para ser candidato ou não: o PDT, o meu partido decidir que eu sou. Dito isso, tenho dito que não gostaria de ser candidato se o Lula for.

Por quê? Não é propriamente uma homenagem a ele, é porque na hora em que for candidato ele racha o país em bases odientas, rancorosas, violentas, como nós estamos assistindo aos lulistas e antilulistas. E o país não tem ambiente para discutir seu futuro. O Brasil precisa desesperadamente de um projeto novo, de novas práticas, de experimentar novas premissas do jogo político. Desesperadamente, precisamos disso.

BBC Brasil: Desculpa insistir com o senhor, mas o senhor falou claramente: se for com o Lula, melhor ainda…

Ciro Gomes: Às vezes você diz isso no calor da emoção. Mas eu estou dizendo a você que eu tenho me preparado para ser presidente do Brasil. Correndo o risco de ser mal compreendido, eu duvido que alguém tenha treinado mais do que eu, tenha se qualificado mais do que eu ou conheça mais do que eu as alternativas para o país. Mas isso é minha presunção. O povo brasileiro está hoje induzido por essa novela moralista, explosiva, em tempo nobre da televisão, a olhar o mundo pelo filtro do lulismo e do antilulismo. Isso acaba com o país.

BBC Brasil: Falando nesse escândalo que está desde 2014 no noticiário, o senhor já foi professor de direito constitucional. O senhor acha que há tempo hábil para condenar o Lula em segunda instância e tirá-lo do jogo eleitoral?

Ciro Gomes: Nenhuma chance. Nem seria justo que acontecesse. Pelos tempos processuais brasileiros. Veja que o Lula está acusado em cinco processos e em nenhum deles ele foi julgado em primeira instância ainda. Não é provável. Nesse processo em que ele depôs recentemente, ele tem 86 testemunhas para serem ouvidas. Demora bastante.

BBC Brasil: Como o senhor avaliou o depoimento dele em Curitiba, ao juiz Sergio Moro? E o juiz?

Ciro Gomes: Ele é um campeão da psicologia popular e o Moro um garoto. Não duvido que tenha boa fé, boa intenção. Esse negócio de aplauso demais e juventude acabam deformando demais as pessoas. Eu sei bem o que estou falando. O Lula trouxe o Moro para o campo dele, onde ele reina. O Moro seria um rei se fosse um juiz, um juiz severo, restrito aos autos, às leis, aos códigos. Aí ele seria absolutamente imbatível, mas não… Ele preferiu trocar ideias com o Lula, aceitar ser visualizado em capas de revista como antagônico. Onde o juiz é antagônico, ele já perdeu. O juiz só merece respeito e acatamento se ele for um magistrado, se ele for a terceira parte, isenta, obediente à lei, severo na presunção da inocência dos acusados, garantidor da ampla defesa, do contraditório, e justo na hora de afirmar a sentença. Ele arrastou o Moro para a política.

BBC Brasil: O senhor acha que o Moro sucumbiu?

Ciro Gomes: Sucumbiu completamente. Se ele condenar o Lula, todos os simpatizantes do Lula e nós outros que observamos o direito do ponto de vista profissional, acharemos injusto. A questão básica é a seguinte: como é que as capas das revistas nacionais põem num ringue um réu contra o juiz, isso já matou o juiz. O juiz não pode lutar, ele observa a luta, sentado numa cadeira, fora. O antagônico não pode ser o juiz. A direita brasileira é basicamente imbecil. Faz isso, acabou.

BBC Brasil: Mas o senhor acha que o Sergio Moro tinha como se afastar disso?

Ciro Gomes: Claro, bastava que ele fosse um juiz. Parar de usar gravatinha borboleta, de circular por aí afora onde há holofotes, confraternizando com potenciais réus aos risos, isso não é juiz.

Kiko Nogueira

Diretor do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.

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