Apoie o DCM

Ciro “sai muito chamuscado por não pensar no país”, diz Freixo

O jornalista Thiago Prado da revista Época entrevistou Marcelo Freixo.

(…)

Bolsonaro teve apoio maciço entre lideranças e eleitores evangélicos. Por que a esquerda tem dificuldades de entrar nesse segmento?

Não tem como ter um projeto popular se não envolvermos os evangélicos. Eles já são 30% da nossa sociedade. É preciso fazer uma reflexão importante. Nos anos 80, três pilares ajudaram a construir o PT. Sindicatos, universidades e um setor progressista na igreja muito forte que formava a Teologia da Libertação. Hoje, as universidades se fecharam e vivem crise de identidade. Os sindicatos estão mais frágeis com a precarização do trabalho, nem greve no setor privado existe mais. O setor evangélico foi crescendo com uma pauta de costumes muito diferente da teologia da libertação e se consolidou. A esquerda criou uma pauta identitária importante para setores como gays e mulheres, mas sem voz em setores populares.

Em entrevista ao Globo neste ano, Ciro Gomes fez exatamente essa crítica à esquerda…

Não acho que seja por isso que a esquerda vá ganhar ou perder. Só que, nesse sentido, o Ciro tem alguma razão. Esse tipo de pauta é importante, mas não pode levar a esquerda para um gueto que não dialoga com a população. A esquerda precisa entender que vai precisar fazer uma disputa entre os evangélicos, esse setor não é necessariamente reacionário. Temos que achar lideranças progressistas no meio para debater outros temas. Estou encontrando várias para o PSOL.

Na área da segurança pública, a esquerda também não falha na apresentação de propostas para combater a criminalidade?

Sim, a esquerda errou ao se empenhar apenas nos debates sobre reforma agrária, educação e saúde. Não houve dedicação ao tema segurança pública mesmo com o crescimento da população carcerária e o aumento da violência policial. A esquerda não fez esse movimento e parece que vivemos ainda na década de 80. O mundo tornou-se mais urbano, as contradições das cidades ficaram mais agudas e sequer apresentamos intimidade para falar do tema. Não temos propostas para os 62 mil homicídios por ano do Brasil. Demos para a direita a possibilidade de diálogo com a principal pauta que gera medo nas pessoas. Outra coisa: não enxergamos o policial como um agente trabalhador. E ele é trabalhador, assim como qualquer outro.

Qual deve ser a prioridade da esquerda em 2019?

Essa nova esquerda que vai surgir terá inevitavelmente uma pauta reativa a partir do governo Bolsonaro. Isso vai acontecer naturalmente. Com reforma da previdência ou as mudanças na carteira de trabalho, teremos agenda em sintonia com os movimentos sociais. E aí vamos ter uma unificação do nosso campo como há muito não tínhamos. Isso vai empurrar a esquerda para uma rearrumação. A dificuldade será de fazer a agenda que não é reativa.

Como assim?

Vamos ter que ser propositivos também, mas a pauta não pode ser mais o ‘Lula Livre’. Isso não vai unificar a esquerda. Até porque a frente que tem que se construir hoje é democrática. Mais do que uma frente de esquerda. Tem um setor do PSDB, por exemplo, que se recusa a acompanhar o João Doria e não irá para o colo do Bolsonaro. É nesse ponto que acho que o Ciro Gomes sai fragilizado do processo eleitoral.

Por quê?

Ele sai muito chamuscado pela incapacidade de pensar no país. Olhou apenas para a sua trajetória futura. Enfrentar a hegemonia do PT, como ele quer, não significa deixar o partido de fora de uma resistência ao fascismo do Bolsonaro. Não tem cabimento, o PT elegeu mais deputados que o PSL. Imaginar que o Ciro vai fazer uma oposição com a Marina sem o PT não dialoga com o mundo real. Até porque a Rede só elegeu um deputado. Isso não vai acontecer na realidade das ruas. Quem tem movimento de rua é o PSOL e o PT, não o PDT.

(…)

Marcelo Freixo. Foto: Clarice Lissovsky/Divulgação