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Como a escritora negra Conceição Evaristo perdeu sua cadeira na Academia Brasileira de Letras

De Mateus Campos e Paula Bianchi no Intercept Brasil.

A Academia Brasileira de Letras elegeu nesta quinta Cacá Diegues para a cadeira número 7. Cacá vai substituir o cineasta Nelson Pereira do Santos e derrotou outros dez candidatos, entre eles Conceição Evaristo, a escritora negra que decidiu desafiar a instituição. Aos 71 anos, a mineira optou por uma espécie de anticandidatura e causou incômodo ao dispensar a bajulação habitual para ganhar votos dos imortais que frequentam o “clube de amigos”.

Sua derrota era esperada: Evaristo entrou na disputa para expor a falta de representatividade negra e feminina na centenária academia. Recebeu apenas um voto. Cacá, 22, e Pedro Corrêa do Lago, neto de Oswaldo Aranha, outros 11 votos.

A candidatura da autora, que publicou seis livros ao longo da carreira e já venceu o Jabuti, o mais tradicional prêmio da literatura brasileira, surgiu após uma provocação da jornalista carioca Flávia Oliveira. “Eu voto em Nei Lopes ou Martinho da Vila. Sem falar na Conceição Evaristo. ‘Tá’ faltando preto na Casa de Machado de Assis”, declarou ao colunista Ancelmo Gois no jornal O Globo em 25 de abril, ao lembrar o espaço vago na academia.

Nas redes sociais, a ideia se alastrou. Fã da escritora, a pesquisadora Juliana Borges publicou em 30 de abril uma carta-manifesto em apoio à autora. A partir do texto, surgiram dois abaixo-assinados pedindo a entrada de Conceição na ABL. “A ponta de sua caneta e o texto em dígito de Conceição Evaristo trazem um trajeto de ancestralidade e apontam vislumbres de horizonte. Ora, não é isso que faz um imortal?”, escreveu Borges. Em dois dias, conseguiu mais de 6,5 mil apoios. Hoje com mais de 40 mil assinaturas nas duas petições, há até uma hashtag em prol da candidatura: #ConceicaoEvaristonaABL.

Em 2015, Evaristo ganhou o prêmio Jabuti pelo romance “Olhos D’água”.

A possibilidade de concorrer a um dos 40 assentos da ABL já estava no horizonte de Conceição há mais tempo. De quando em quando, ouvia de colegas escritores e de professores universitários que o próximo passo natural da sua carreira seria esse. Evaristo é uma das mais reconhecidas autoras brasileiras. Nasceu numa favela em Belo Horizonte, trabalhou como empregada doméstica até se mudar para o Rio de Janeiro, aos 25 anos, onde passou num concurso público para o magistério. Graduou-se em Letras, é mestra em Literatura Brasileira pela PUC-Rio e doutora em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense.

A escritora, no entanto, só se entusiasmou com a ideia quando foi informada por uma jornalista sobre a quantidade de assinaturas que a petição havia recebido. Até então, sequer estava sabendo da mobilização. “Se eu entrar, não será porque escrevi um ‘Marimbondo’ do Sarney, não [romance que levou o ex-presidente à ABL, em 1980]. Eu quero entrar porque é um lugar nosso, porque temos direito”, disse em uma palestra no Salão Carioca do Livro, em 19 de maio.

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Conceição Evaristo. Foto: Reprodução/YouTube