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Como policiais acusados de crimes continuam nas ruas?

Corporativismo, controles deficientes, alterações de cenas de crime e morosidade das Justiças militar e civil são alguns dos fatores apontados por especialistas ouvidos pela BBC Brasil para explicar como policiais militares acusados de crimes continuam a patrulhar as ruas das cidades brasileiras.

Um dos casos mais recentes é o assassinato da auxiliar de serviços gerais Cláudia Silva Ferreira, que foi baleada durante uma operação policial no morro da Congonha, no Rio de Janeiro, e arrastada no asfalto por 350 metros presa ao porta-malas de um carro da polícia que deveria levá-la ao hospital.

Três policiais militares foram acusados de participação no crime – mas respondem ao processo em liberdade devido a uma decisão judicial. Dois deles já respondiam a 16 processos por homicídios. Eles são o subtenente Rodney Miguel Arcanjo (três processos) e o colega de mesma patente Adir Serrano Machado (13 casos).

Casos como esse despertam o debate sobre deixar ou não policiais acusados de crimes livres enquanto o episódio não é totalmente esclarecido.

Os policiais militares podem ser julgados por crimes tanto na Justiça Militar como na Justiça Civil (em casos envolvendo homicídios).

Para o analista Ignacio Cano, do Núcleo de Estudos da Violência da UERJ, a demora em torno dos julgamentos, tanto na Justiça comum quanto nos tribunais militares, é um dos fatores pelos quais muitos policiais são inicialmente afastados durante o começo das investigações, mas na ausência de um veredicto acabam voltando às ruas.

“É importante que haja a criação de varas especializadas para julgar casos como este. A rapidez é importante para todo mundo. Para os policiais inocentes, para a sociedade, enfim, todos ganhariam com isso”, diz.

Um caso emblemático é o julgamento do massacre de 111 presos no complexo do Carandiru em 1992. A maioria do policiais suspeitos de entrar no edifício e assassinar detentos que participavam de uma rebelião só foi a júri popular mais de uma década depois dos crimes.

Até agora, 58 foram condenados à prisão mas esperam o julgamento de recursos em liberdade.

“Manobras processuais podem adiar esse tipo de processo por muito tempo, às vezes até a prescrição das penas”, disse Marcos Fuchs, analista da ONG Conectas Direitos Humanos.

De acordo com Maria Laura Canineu, diretora da Human Rights Watch no Brasil, outro fator que dificulta a condenação e consequente expulsão dos policiais é a forma como o crime é registrado na polícia judiciária.

Embora a prática já esteja sendo combatida em alguns Estados, muitos assassinatos cometidos por policiais militares são registrados sob a classificação de “auto de resistência” , “resistência seguida de morte”, “homicídio decorrente de intervenção policial” ou outros termos semelhantes.

Na prática isso significa dizer que o suspeito teria sido morto após entrar em confronto com os policiais. Isso faz com que o processo não seja enviado diretamente a uma vara da Justiça especializada em homicídios.

Além disso, tanto Canineu como Fuchs citaram a existência de casos em que maus policiais militares alteram a cena do crime com o intuito de escapar de acusações de assassinatos. Uma delas seria colocar armas “frias” nas mãos de suspeitos mortos, segundo Canineu.

Fuchs afirmou já ter tomado conhecimento de fortes suspeitas de que policiais matariam suspeitos já baleados enquanto os encaminhavam para o hospital, ou mesmo demoravam para prestar socorro até que a vítima morresse devido aos ferimentos.

Outro fator que dificultaria o afastamento de maus policiais, segundo os especialistas, seria uma suposta falta de independência dos órgãos corregedores.

Tanto em São Paulo como no Rio de Janeiro, boa parte do trabalho de corregedoria é feita por departamentos da própria Polícia Militar.

O policial é investigado pelos próprios colegas de carreira. Não há uma instituição independente. Isso gera reflexos, como não terminar sindicâncias em tempo hábil.

Um especialista destacou o exemplo da Irlanda do Norte, considerada em rankings internacionais como a polícia com o órgão de controle externo mais eficaz do mundo.

“Lá, a ouvidoria tem funcionários próprios, independentes, que têm o poder de levar a cabo as investigações das denúncias contra os agentes de forma isenta. Aqui, a ouvidoria repassa os casos para investigadores das corregedorias internas”.

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