Coronavírus: Brasil está brincando com fogo

Da coluna de Fernando Reinach no ESTADÃO
No dia 18 de fevereiro, exatas três semanas atrás, a Itália tinha três casos de coronavírus e nenhuma morte. Vida normal. Hoje, a Itália tem mais de 10 mil casos com 631 mortes. O sistema de saúde das áreas mais afetadas está em colapso: pacientes são atendidos nos corredores de hospitais, praticamente não há mais leitos de UTI para internar pacientes mais graves e muitos deles, entubados, são tratados em salas de operação convertidas em UTIs. Muitos médicos e enfermeiros foram infectados e abandonaram seus postos. Para tentar retardar o alastramento da doença, a Itália colocou 60 milhões em isolamento e o país vive situação de caos. Da normalidade ao caos em 21 dias.
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Também é fato que o Estado de São Paulo, com 44 milhões de habitantes, tinha ontem 19 casos de coronavírus e 302 suspeitas. Isso demonstra que São Paulo ou outra cidade brasileira podem se encontrar em situação semelhante em três semanas. Veja bem: isso não quer dizer que teremos uma epidemia em três semanas, mas demonstra, sem sombra de dúvida, que essa é uma possibilidade real. Difícil de aceitar, mas absolutamente real.
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Dos casos de coronavírus, aproximadamente 80% podem ser tratados em casa e a pessoa se recupera em uma ou duas semanas. Essas pessoas precisam ser identificadas, isoladas e seus contatos precisam ser testados. De novo a necessidade de um sistema de testes robusto. Os outros 20% precisam de tratamento hospitalar. O principal problema são os 6% de casos que precisam ser tratados com oxigênio e grande parte deles precisa ser entubada. Essas pessoas precisam de leitos de UTI e respiradores. Dois terços dessas pessoas (4%) se recuperam e as estatísticas mostram que 2% morrem.
O que tem ocorrido em todos os países é que esses pacientes ocupam por duas a três semanas o leito de UTI, impedindo novas internações. A quantidade de leitos livres no sistema hospitalar é muito pequena pois a maioria dos leitos é ocupada por pacientes com outras doenças. Aí vem a outra prioridade: aumentar leitos de UTI. Na China foram construídos dois hospitais – por volta de 5 mil leitos foram adicionados. Uma conta superficial, que precisa ser refeita por especialistas, sugere que o Estado de São Paulo provavelmente necessitaria de 4 mil leitos além dos que existem. Claro que isso é impossível de organizar em duas ou três semanas, afinal não somos a China, mas se preparar significa aumentar os leitos e decidir sua alocação.
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Que eu saiba no Brasil nem sequer decidimos possíveis cenários que podemos enfrentar. Serão 10 mil casos, 100 mil ou 1 milhão em 2020? Estamos esperando para ver. Estamos brincando com fogo e provavelmente vamos nos queimar.