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Coronel ensinou tortura para gaúchos

O coronel reformado que estarreceu o país na terça-feira, ao revelar à Comissão Nacional da Verdade que matou, desfigurou e ocultou cadáveres de presos políticos durante a ditadura militar ensinou técnicas de tortura a repressores gaúchos.

Agente do Centro de Informações do Exército (CIE), Paulo Malhães chegou a Porto Alegre em abril de 1970. Missão: eliminar grupos guerrilheiros que conflagravam o Estado.

Malhães e o sargento Clodoaldo Cabral foram enviados porque o Departamento de Ordem Política e Social (Dops) não conseguia neutralizar a guerrilha. À meia-noite de 4 de abril de 1970, membros da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) tentaram sequestrar o cônsul dos Estados Unidos em Porto Alegre, Curtis Carly Cutter. O americano escapou, ferido com um tiro no braço, mas o episódio acionou o sinal de alerta no CIE.

O advogado Índio Vargas, ex-preso político, divide a repressão gaúcha em antes e depois de Malhães. Na primeira fase, os interrogadores abusavam das porretadas e do pau de arara (a vítima era pendurada num travessão, pelos joelhos e braços flexionados, de cabeça para baixo, como se estivesse de cócoras), mas eram obtusos ao extrair informações. Aprenderam a potencializar a dor com o professor Malhães.

“Ele era duro, técnico, veio para fazer e para ensinar”, diz Vargas, hoje com 78 anos.

A tentativa de capturar o cônsul fustigara a parte sensível do regime implantado em 1964, a Doutrina de Segurança Nacional (DSN), avalizada justamente pelos EUA. O comandante da operação de sequestro, que prefere não se identificar por razões familiares, foi torturado depois de ser preso.

Quando suas orelhas foram conectadas a fios condutores de energia, Cabral, o escudeiro de Malhães, anunciou o horror que viria: “Você é um cara inteligente, deve saber de eletrólise, vamos transformar você numa passa de uva.”

O guerrilheiro foi levado ao lugar batizado de “A Fossa”, uma sala do Dops com os aparelhos de suplício e revestimento acústico nas paredes, para abafar os gritos dos torturados. Seria o equivalente à Casa da Morte, no Rio de Janeiro, onde Malhães executava prisioneiros. Aos 71 anos, o militante gaúcho lembra que os choques elétricos partiam das orelhas e corriam pelas sobrancelhas, como se rasgassem o cérebro.

Não apenas o malogrado sequestro incomodava a ditadura a ponto de mobilizar dois especialistas em “solução final” – matar e esconder o corpo. Naquele abril de 1970, bancos na região metropolitana de Porto Alegre estavam sendo assaltados, nas chamadas “expropriações” para financiar a guerrilha. Um dos envolvidos, Paulo de Tarso Carneiro, deparou com Malhães quando foi detido.

“Ele dizia que era homem de confiança do Médici (general Emílio Garrastazu Médici, que governou o país de 1969 a 1974)”, recorda Paulo de Tarso, 71 anos, ex-VAR-Palmares.

Num dos interrogatórios, Paulo de Tarso ouviu Malhães comentar que já estava havia 42 dias em Porto Alegre, torturando “esse bando de comunistas”. Usava óculos escuros, mas não cobria o rosto. Apreciava martirizar três ou quatro ao mesmo tempo, o que denominava “dança de São Guido” – ritual macabro da Idade Média.

“Fazia fila para torturar, não tinha pudor”, conta o ativista.

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