Apoie o DCM

Débora Diniz: ‘Nem mulheres votam em mulheres por causa de uma expectativa masculina’

Débora Diniz. Imagem: TV Brasil

Da Época

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) confirmou nesta semana que as mulheres representam 30% do total de candidatos registrados para as eleições de 2018. O percentual é o mínimo estipulado por lei. Segundo a antropóloga da Universidade de Brasília e ativista pela igualdade de gênero, Débora Diniz, a baixa representatividade das mulheres na política (elas são mais de 50% da população) está relacionada à “expectativa masculina” que se tem de quem deve ocupar os cargos políticos. Enquanto isso não mudar, de acordo com Débora, nem as mulheres votarão nas mulheres. Débora, que é a favor da descriminalização do aborto, sofreu ameaças de morte recentemente e recebe medidas protetivas do Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos do governo federal. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida por Débora.

ÉPOCA – Os partidos conseguiram, para as eleições deste ano, atingir a margem mínima de 30% das vagas de candidatos para mulheres. Mas elas formam a maioria da população. Por que elas são sub-representadas nas candidaturas e na política?

Débora Diniz – O Brasil é um dos países da América Latina com menor representação das mulheres na política. Uma história de desigualdade de gênero, machismo está em todos os países da nossa região. E outros países como o México já conseguiram atingir uma representação política que não conseguimos. A Argentina também, por exemplo. Precisamos mudar a forma de fazer política. Há formas, estilos, expectativas que são extremamente masculinos. Precisamos alterar formas de reconhecimento das meninas, no processo educacional, como representações, vozes ativas, como legítimas para serem reconhecidas como lideranças políticas. Por que mulheres não votam em mulheres? Precisamos mudar as formas de reconhecimento sobre qual a expectativa de quem me representa no poder político. Enquanto houver essa expectativa masculina, as mulheres não conseguirão furar o cerco dos 30% nem serem elas as eleitas, porque nem sequer as mulheres vão votar nelas.

ÉPOCA – O fato de haver poucas mulheres nas cúpulas dos partidos alimenta essa baixa representatividade?

Débora Diniz – São duas coisas. É um sintoma e um regime de silenciamento. As mulheres nem nos partidos ascendem a cargos de poder e liderança. Mas também é sinal do silêncio. Pautas das mulheres não são consideradas pautas universais como as masculinas. Quando falamos de direitos de trabalhadores e depois de trabalhadoras, parece que é algo específico, mas é algo universal. Pautas essencialmente femininas são em geral consideradas pautas perigosas para os partidos.

ÉPOCA – Como isso poderia ser mudado?

Débora Diniz – Essas pautas enfrentam resistência em setores conservadores da sociedade e os partidos optam pelo pragmatismo de não perder o voto dessas pessoas. Eu não chamaria de pragmatismo. É quase um oportunismo. Não podem ceder a isso. Um exemplo: quando mulheres vão ao confronto e há exaltação, os homens são bravos, as mulheres são histéricas. Situações como essa deslegitimam e desqualificam as mulheres no ambiente político. Quando vemos mulheres sendo desqualificadas pelas roupas, corpo ou até saúde mental, são desqualificações morais de sua capacidade de representação política. Nós não vemos isso sendo imputado aos homens.

ÉPOCA – Como a baixa representatividade das mulheres se reflete nas políticas públicas?

Débora Diniz – Quando temos ausência de um grupo tão importante como o das mulheres, temas fundamentais são ignorados, como a urgência de creche. Ou o transporte público para mulheres trabalhadoras à noite. Garantia de políticas públicas para o principal emprego de mulheres no Brasil, que é o emprego doméstico. Desde questões relacionadas à infância no cuidado de crianças, como creches, até transporte, saúde ou trabalho, não temos uma discussão sobre a precarização do trabalho.

(…)