Denúncias apontam agressões e estupros a jovens da Fundação Casa

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Da reportagem de Fabíola Perez no R7.
Todos os dias, jovens que cumprem medidas socioeducativas de internação no Centro de Internação CASA Franca Dom Hélder Câmara, em Franca, no interior de São Paulo, são obrigados a tirar a camisa e bater a roupa três vezes no chão. O mesmo precisa ser feito com as bermudas. Os chinelos são torcidos com força. Levantar os abraços, abrir as mãos e a boca, virar de costas e de frente também faz parte do procedimento disciplinar exigido. Por fim, devem retirar a cueca e mostrar o forro da vestimenta aos supervisores. Na sequência, são forçados a fazer três agachamentos.
O objetivo do ritual, segundo funcionários, é garantir que os adolescentes não levem nenhum objeto ilícito para os dormitórios nem medicamentos escondidos na boca. O procedimento revela também, de acordo com os agentes, eventuais marcas de agressão no corpo dos jovens deixadas por outros adolescentes ou por funcionários.
Em uma dessas práticas, agentes de apoio socioeducativo da unidade de Franca perceberam marcas roxas no corpo de Rodrigo*, de 16 anos. Em dezembro do ano passado, o jovem, que acabara de chegar à unidade, foi advertido pelo coordenador Erivan de Melo sob a alegação de que não cumpria a revista da forma correta. O jovem foi então levado à quadra de esportes da unidade e agredido pelo agente com socos no peito e nas costelas. De acordo com a denúncia, realizada por funcionários da unidade à ouvidoria da instituição e ao Ministério Público, o adolescente apresentava hematomas na região do tórax. Segundo um agente de apoio socioeducativo que prefere não se identificar, Rodrigo foi levado à sala da direção depois de ter confessado a agressão a um agente psicossocial.
O diretor, Marcelo Viana Barense, teria sido ameaçado o jovem e questionado os motivos que o levaram a relatar as agressões sofridas para a equipe psicossocial. “Ele disse que, caso continuasse falando, apanharia novamente e permaneceria mais três anos na instituição, como castigo”, disse o funcionário. Na tentativa de intimidar o adolescente, o agente de apoio socioeducativo conta que o diretor teria o agredido mais uma vez com socos no peito.
O caso provocou indignação entre os funcionários e fez com que o agente, com mais pelo menos 10 outros funcionários, assinassem uma carta pedindo a saída do diretor. “Ele não tem perfil para lidar com os adolescentes, com os funcionários, nem com as mulheres”, disse. Após denunciar os episódios de violência, o agente de apoio socioeducativo afirma que passou a ser perseguido durante as atividades de trabalho. “Precisei tomar medicamentos para dormir diariamente.”
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A pouco mais 52 quilômetros de Franca, na cidade de Batatais, também no interior paulista, outro caso de violência chocou funcionários da unidade CASA Batatais de Internação no dia 21 de novembro. Segundo denúncia de um funcionário que prefere não se identificar por medo de represálias, um jovem foi estuprado por outros seis adolescentes em um dormitório. “Estão chegando muitos adolescentes mais novos e os mais velhos abusam. Quando tem problema fora da Fundação, eles pagam lá dentro.”
O estupro foi encaminhado à ouvidoria da Fundação, mas, segundo o funcionário, não foi feito boletim de ocorrência. “Quem fez o registro foi um agente de apoio socioeducativo. Ele contou à direção, mas não foi concedida medida protetiva ao adolescente, tampouco a transferência para outra unidade”, afirma o agente, que trabalha na instituição há oito anos. “Ele foi transferido de quarto e aconteceu de novo.”
De acordo com o advogado especialista em direitos da infância e juventude, Ariel de Castro Alves, o cenário hostil em unidades do interior é consequência de uma prática antiga que, segundo ele, persiste na instituição. “Os funcionários denunciados por maus-tratos em unidades da capital são transferidos para o interior para ficarem mais escondidos”, afirma. “Há uma violência endêmica e institucionalizada numa instituição com a missão de educar e ressocializar. Esse é o grande problema e contradição.”
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