Desdentados da Cracolândia também merecem atenção, diz assistente social
Da bbc:
Com mais de quatro décadas de apoio à população de rua do centro de São Paulo e pelo menos duas circulando pela Cracolândia, a assistente social Tina Galvão, de 71 anos, está preocupada: “A exposição dessa modelo só traz mais revolta e frustração para os demais, que vão continuar invisíveis”.
Para Tina, “a figura da Loemy não traz reflexão sobre o resto da Cracolândia. Lá circula gente feia, pobre, desdentada. A estes, que também precisam de ajuda, fica a sensação de que não merecem atenção.”
Tina, que conhece boa parte dos usuários pelo nome e costuma ser recebida com abraços em visitas semanais ao local, se refere à ex-modelo viciada em crack que ganhou fama após ser capa da revista Veja São Paulo no último fim de semana.
Uma fotomontagem que espelha o rosto de Loemy Marques nos tempos de passarela com suas feições atuais, marcadas pelo uso da droga, foi reproduzida em sites, jornais e na televisão. Programas vespertinos dedicaram horas ao tema – um deles, no próximo domingo, promete custear sua internação em uma edição especial sobre a trajetória da moça.
A repercussão causou frisson nas redes sociais. De um lado, elogios e torcida pela “jovem-símbolo” da degradação causada pela droga, “que também pode vitimizar a classe média”. Alguns apontam que o destaque conseguido na mídia pela história da ex-modelo tem o aspecto positivo de aumentar a conscientização da população para as condições enfrentadas pelos dependentes de crack em São Paulo.
Por outro lado, circulam críticas à escolha da “loira magra, de 1,79 metro de altura e olhos verdes”, nas palavras da revista, em detrimento da maioria – que em geral não atende aos padrões tradicionais de beleza.
A assistente social concorda com a última opção.
“Acho tudo isso cruel. Com ela (Loemy) e com os outros”, diz. “Você passa anos invisível e, de um dia para o outro, é disputada por camarins e holofotes. Programas de televisão trazem deslumbramento, mas não oferecem estrutura para quem está doente.”
Tina ganhou fama no ano passado graças à “terapia do abraço” que implantou na região frequentada pelos craqueiros.
Em passeios noturnos, sozinha, ela passa horas conversando com os usuários e agindo como ponte entre suas demandas e o poder público. Tudo sempre depois de um longo abraço – ela considera o gesto importante para mostrar que “a conversa é de igual para igual”.