‘Ele é um sementinha do mal’: PM paulista vai até a casa da mãe do garoto pedir para ela encomendar o caixão do filho

Reportagem de Claudinho Silva, do SOS Racismo, e Laura Capriglione, dos Jornalistas Livres.
O policial militar cabo Thiago Santos Sudré, de São José dos Campos (94 km de São Paulo), matou no dia 6 de setembro o menino Miguel Gustavo Lucena de Souza, de 12 anos, dentro de um parque de diversões da cidade. Segundo vizinhos, duas semanas antes, o mesmo cabo invadiu, sem mandado judicial, o apartamento familiar para ameaçar o menino e sua mãe, dizendo a ela: “Se eu pegar o Miguel na rua, pode comprar um caixão pequeno, porque ele não vai voltar mais”. Andréia, a mãe, ainda tentou explicar ao policial que o filho era “dependente químico”, ao que o PM respondeu: “Ele é uma sementinha do mal”. O diminutivo se explica: Miguel tinha apenas 1 metro e 33 centímetros de altura. Era um menininho negro, inteligente e sonhador.
A história do crime, contada pelo PM conhecido naquela quebrada como “Carioca” e na corporação como “Cabo T. Santos” foi a seguinte: o menino, em companhia de dois outros garotos, teria roubado um automóvel VW Fox vermelho por volta das 18 horas. Localizado o veículo, os policiais iniciaram uma perseguição pelas ruas da zona sul de São José dos Campos, que terminou quando os meninos entraram com o carro em um terreno descampado em que estava instalado um parquinho de diversões. Foi quando o carro colidiu com a grade do carrossel, pondo fim à aventura.
Do veículo saiu correndo o motorista, um adolescente de 17 anos. Dois meninos, de 13 e 14 anos também saíram do carro e jogaram-se no chão. Por fim, saiu Miguel, que estava no banco de trás do Fox. E aí a história contada pelo PM vira a mesma de sempre _“resistência seguida de morte”: Miguel teria tentado resistir à prisão, apontou uma arma para os policiais, ao que “Carioca” respondeu com dois disparos letais. Diz o boletim de ocorrência: “O óbito foi constatado pelo SAMU, viatura 11103, Dr. Leandro CRM 121002. Nada mais.”
O coronel PM José Eduardo Stanelis, comandante da tropa militar na região do Vale do Paraíba, disse que o garoto morto estava com um revólver INA calibre 32 nas mãos e escondia debaixo do tapete do veículo um simulacro de pistola da marca Smith & Wesson. “Então, provavelmente, eles estavam efetuando roubos na cidade”, raciocinou.
Trata-se de versão bem diferente da apresentada à reportagem dos Jornalistas Livres e do SOS Racismo por pessoas que estavam no parque de diversões na hora em que o garoto foi alvejado pelos tiros do PM. Nada menos do que 100 pessoas lotavam o local nos derradeiros minutos de vida do menino:
“É mentira que Miguel andasse armado. Ele nunca pegou num revólver. Nem de brinquedo”, disseram vizinhos que pediram para não serem identificados por temerem retaliações do “Carioca”.
“Ele saiu com as mãos para cima, dizendo ‘Perdi, perdi’. Mas o Carioca atirou mesmo assim. O primeiro tiro pegou debaixo do braço (na região da axila). Depois teve outro. E mais outro.”
“Foi uma correria desesperada no parque, mas logo depois as pessoas começaram a voltar e deu tempo de ver que Miguel estava jogado no chão, de costas, com as pernas dobradas. Ele ainda estava vivo quando o Carioca o pegou pelo pescoço –ficaram marcas de sua mão no pescoço fininho. Miguel morreu com os olhos esbugalhados e a boca aberta, tentando respirar”.
A versão dos PMs começou a desabar no descrédito já na delegacia onde foi lavrado o boletim de ocorrência. “Em sede policial, a vítima do crime de roubo, após olhar os conduzidos (adolescentes que estavam no Fox), não reconheceu nenhum deles como sendo os autores do crime de roubo que sofreu”.
Miguel era um dos seis filhos da cuidadora Andréia Gonçalves Pena, mulher negra, evangélica da Assembléia de Deus e chefe de família. O filho mais velho dela é estagiário na Embraer, cargo que obteve graças às notas excelentes no ensino médio. Uma filha, pelo mesmo motivo, conseguiu estágio em outra gigante da engenharia nacional, o CTA, o Centro Técnico Aeroespacial, jóia tecnológica mantida pela Aeronáutica. Miguel não fazia feio nos estudos e era seguidamente elogiado pelos professores da Escola Estadual José Frederico Marques. Mas o menino era sonhador demais.
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