Especialista diz que um dos subgrupos ultraconservadores da internet agora se opõe a Bolsonaro

Do El País:
Jair Bolsonaro está prestes a completar um ano no cargo de presidente da República. Ao longo deste período, o território virtual que abriga o bolsonarismo, e que foi engrenagem essencial de sua campanha para chegar ao poder, sofreu algumas mudanças e se dividiu. A ideologia de extrema direita continua lá, intacta e até mais radical. Mas a união conseguida por Bolsonaro naquelas eleições se desfez. Os extremistas estão agora divididos em ao menos três subgrupos, segundo explica David Nemer, especialista em Antropologia da Informática. Em um deles, que ele nomeia de insurgentes, estão pessoas com o mesmo perfil dos homens encapuzados que reivindicaram o ataque com coquetel molotov à sede da produtora Porta dos Fundos, na madrugada de 24 de dezembro. Eles se identificam com o integralismo, o movimento fascista que surgiu nos anos 1930 e que, na era da Internet, ganha novo vigor.
“Os insurgentes são mais militaristas e acabaram virando oposição, porque acham que Bolsonaro cedeu ao establishment e não é radical o suficiente. Acreditam que a única forma de salvar o país é fazendo uma insurgência armada para fechar o Congresso e o STF, e começar do zero. Eles falam muito de insurgência armada”, explica Nemer, que desde 2018 está presente em grupos de WhatsApp da extrema direita para monitorar seu comportamento.
Em vídeo que circula nas redes sociais desde a última quarta-feira, os encapuzados que assumiram o ataque ao Porta dos Fundos dizem ser parte do Comando de Insurgência Popular Nacional, recorda Nemer. Já a Frente Integralista Brasileira (FIB) soltou uma negando qualquer relação com os homens que assumiram o atentado. Ainda que não seja possível dizer que aquelas pessoas específicas formem parte dos grupos de WhatsApp que monitora ou que oficialmente estejam ligados aos integralistas, o pesquisador explica que “o tom nacionalista cristão e as ideias de atentar contra as universidades e as instituições” são as mesmas. Ele ainda lembra que o mesmo grupo que diz ter atacado a produtora invadiu a UniRio em 2018 e queimou bandeiras antifascistas, conforme também publicou a Ponte Jornalismo. Esses radicais atuam em fóruns da darkweb, mas também recrutam novas pessoas pelo WhatsApp e pelo Youtube. “Não consegui identificar um só canal no Youtube, porque eles são constantemente banidos ou colocados em quarentena. Então existe uma rotatividade”, completa o pesquisador.
O núcleo de propaganda é outro subgrupo que Nemer identificou após as eleições. Formado por bolsonaristas que apoiam o presidente incondicionalmente, tornou-se uma espécie de cão de guarda do Governo, atuando de acordo com a agenda política diária. Nas redes, essas pessoas defendem a gestão Bolsonaro em situações delicadas ― por exemplo, em momentos nos quais mede força com o Congresso ― ou quando se vê acuado ― como durante a crise internacional desatada pelos incêndios na Amazônia. “Bolsonaro precisa de um inimigo para alimentar a retórica do eles contra nós. E essas pessoas nas redes precisam de um inimigo para trabalhar. Nesse sentido, os peronistas se tornaram inimigos, Macron se tornou inimigo e até pessoas do PSL se tornaram inimigas. Agem como milícia virtual e até pessoas como Alexandre Frota e Joice Hasselmann se tornaram alvos”, explica Nemer, mencionando os dois deputados que romperam com Bolsonaro depois de se elegerem fazendo campanha para ele.
Por fim, o pesquisador também identificou o subgrupo que ele classifica como supremacistas sociais, que estão mais ligados aos evangélicos e podem ser tão radicais quanto os insurgentes. “Os supremacistas sociais não estão muito ligados à política do dia a dia, mas eles capitalizam em cima do discurso do presidente e de seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro. Compartilham conteúdo neonazista, racista, anti-LGBT, anti-Nordeste…”, explica Nemer. “Afinal, se o filho do presidente usa uma retórica parecida e não acontece nada com ele, então essas pessoas, que estão no anonimato, se sentem mais livres para compartilhar esses conteúdos. O Governo Bolsonaro valida muito esse pensamento racista que eles têm”.
(…)
