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‘Eu não estou mentindo nos atestados de óbitos’, diz médico de Recife na pandemia

Paciente com covid-19 intubado

De Carolina Marins no UOL.

“Foi muito bom viver”, foram as últimas palavras ouvidas pelo médico anestesiologista Artur Milach antes de intubar um senhor de 75 anos. A frase o fez chorar pela primeira vez em muito tempo durante esta pandemia. Depois de um ano, ele achava que já havia se emocionado o suficiente, mas com a piora da situação no país o que ele tem visto são pacientes chegando cada vez em pior estado.

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Idoso e com muitas comorbidades, o senhor pediu para falar com a família antes de ser intubado. Como muitos dos pacientes atendidos por Milach, ele disse aos familiares que os amava e se preparou para o procedimento.

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“Quando eu vou intubar um paciente, eu fico perto da cabeça e vou conversando com ele. Nesse momento, ele pegou na minha mão disse: ‘Foi muito bom viver, obrigado’. Eu nunca tinha escutado isso, de nenhum paciente. De falar numa serenidade”, lembra.

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O quadro do senhor de 75 anos era grave e ele morreu dentro de 24 horas. “Foi muito duro. Fazia tempo que eu não chorava na pandemia. Esse dia eu chorei bastante quando cheguei no carro. Esse paciente eu levei a semana inteira comigo, isso me fez ressignificar inclusive a minha força pra trabalhar.”

Artur Milach está na linha de frente da covid-19 desde o início da pandemia. Primeiro trabalhou no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. No ano passado, se mudou para Recife e atua hoje como coordenador de UTI-covid em dois hospitais da capital pernambucana: o Hospital de Referência Unidade Boa Viagem Covid-19 e o Hospital Eduardo Campos da Pessoa Idosa.

No entanto, o perfil que ele tem visto nesta segunda onda da doença não é apenas o do senhor idoso com comorbidades. Assim como já relataram muitos profissionais de saúde, o intensivista vê um aumento de pacientes jovens necessitando de cuidados intensivos, em especial os que sofrem de obesidade. Mas o que preocupa Milach é que esses pacientes têm chegado em estado cada vez mais grave ao hospital.

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O que mais revolta o médico é ver que apesar de já ter passado um ano, ainda há aqueles que não acreditam na doença.

“No começo da pandemia isso estava me adoecendo e aos meus colegas. A gente olhava e pensava: ‘Estou trabalhando feito um louco alucinado, a doença está aí, a gente está vendo crescer. De onde essas pessoas tão dizendo que não tem nada?”, desabafa.

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